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Literatura

Recordações do Escrivão Isaías Caminha: Uma Análise Literária

A cultura dita superior do País é um descalabro. Os donos do poder aliados à classe falante mexeram na parte mais elevada do patrimônio do povo: sua inteligência, suas crenças, seus costumes e até sua dignidade. O povo, entretanto, só ficou revoltado quando mexeram no seu bolso!

Parece que estou falando de acontecimentos relativamente recentes da nossa história política, mas na verdade estamos bem antes no passado. Estamos na Primeira República, logo após a queda da Monarquia. E quem nos conta como era a cultura do Brasil nessa época é Lima Barreto, através das Recordações do Escrivão Isaías Caminha.

Antes de mais nada, vale a pena destacar o valor particular desse livro que é de ser quase um registro histórico! Na verdade, quando foi publicado, a crítica – que ainda existia no Brasil – considerou-o um roman à clef, que é uma expressão francesa que designa o romance com chave: um romance no qual os acontecimentos e os personagens são reais, bastando que você troque os nomes dos personagens pelos nomes das figuras que estão ali representadas.

Existem, inclusive, algumas chaves desse livro que nos permitem saber quem são os personagens históricos que compõem este que é o primeiro e mais agressivo romance de Lima Barreto.

A opinião da crítica

O primeiro crítico a se pronunciar sobre Isaías Caminha foi Medeiros e Albuquerque, que começou elogiando o autor, dizendo que aparece já como um escritor feito, mas que aquele era um mau romance e um mau panfleto. Um mau romance pois era da arte inferior do roman à clef. Um mau panfleto, porque não tinha a coragem do ataque direto, com os nomes claramente postos, e vai até à insinuações pessoais que até os mais virulentos panfletários deveriam respeitar.

Lima Barreto se defendeu dizendo que na questão dos personagens, dentro de um curto prazo, ninguém mais se lembraria de apontar tal ou qual pessoa conhecida como sendo tal ou qual personagem. Disse ainda que se a sua a revolta naquele livro foi além dos limites, é porque ele tinha motivos sérios e poderosos.

Alcides Maia, um outro crítico, apontou também que o defeito da obra seria a sua nota pessoal demais, que o reduz quase a um “álbum de fotografias”. Disse que aquilo era uma verdadeira crônica íntima de vingança, diário atormentado de reminiscências más, de surpresas e de ódios. Disse ainda, que o volume dava, vez ou outra, a penosa impressão de um desabafo.

Esses erros apontados pela crítica foram, na verdade, propositais. O Isaías Caminha não era ainda a grande obra que ele pretendia publicar um dia. E é em outro livro – que ainda não é a obra magna de Lima Barreto – no Cemitério dos Vivos, que outro personagem nos revela a gênese de Isaías Caminha.

Isso mesmo! A fala de um outro personagem de um outro livro, conta a gênese desse que foi o primeiro romance dele. A obra de Lima Barreto tem essa peculiaridade de poder ser estudada cotejando-se com a própria biografia do autor.

Pois bem! Nesse outro livro, o personagem diz lá pelas tantas que, assim que travou conhecimento mais íntimo com o meio literário, percebeu que aquela obra na qual meditava seria difícil de publicar sem antes adquirir “o bem-querer dos livreiros”. Precisava também de alguns anos para fazê-la direito. Além disso, era pobre, e não teria como custear a impressão. Precisava, então, criar um núcleo de leitores.

Resolve, portanto, publicar alguma coisa que atraísse atenção sobre si, que lhe abrisse as portas, que lhe fizesse conhecido, mas queria pôr nessa obra alguma coisa das suas meditações, das suas cogitações, “atacar em síntese os inimigos das suas ideias e ridicularizar as suas superstições e ideias feitas”.

O que é Isaías Caminha e uma curiosidade…

Então, quando falamos nas Recordações do Escrivão Isaías Caminha, estamos falando de um romance agressivo, que veio para conquistar amigos e inimigos. Lima Barreto estava tão despreocupado com os inimigos que ganharia, que alguns deles aparecem explicitamente nesse livro…

É o caso do personagem FLOC (Frederico Lourenço do Couto) que na vida real era o JIC (João Iberê da Cunha).

Numa das cenas mais intensas do livro um personagem volta à redação e grita ao FLOC: “Seu Cunha!” (O interessante é que eu nesse momento não entendi por que “Seu cunha” e pensei que fosse apenas algum apelido do FLOC. Mas, depois lendo a crítica finalmente entendi…).

Enfim, não quero fazer fuxico desses aspectos de polêmica da obra. Mas o intercâmbio constante dela com a realidade na qual viveu Lima Barreto é muito digno de nota. Em alguns momentos do livro, inclusive, você percebe claramente que está lendo praticamente uma nota de diário.

A crítica não gostou disso, mas para nós, essa índole do romance ensina muita coisa. Essa nem chega a ser uma estória de ficção, tão real que é, fazendo com que a sua leitura seja indispensável para entender o Brasil.

Aspectos do Brasil em Isaías Caminha

Isaías, um rapaz nascido no interior, sempre teve muito gosto pelos estudos. Desde pequeno admirava a erudição de seu pai, de tal forma que adquiriu anseios de inteligência. Quando jovem, sentiu vontade de ir para o Rio de Janeiro. Ele achou que aquela cidade pequena não bastava pra ele e quando conseguiu, através de um tio, uma carta de recomendação de um coronel da região a um deputado do Rio ele já começou a sonhar com o grande sucesso que iria fazer.

A situação no Rio estava garantida, pensava ele, obteria um emprego. “Um dia pelos outros iria às aulas, e todo o fim de ano, durante seis, faria os exames, ao fim dos quais seria doutor! Ah! Doutor! Resgataria o pecado original do seu nascimento humilde, amaciaria o suplício onímodo, premente e cruciante de sua cor…”

Sim Isaías era um mulato. Mas “nas dobras do pergaminho daquela carta de recomendação do coronel, traria presa a consideração de toda a gente”.

O culto aos títulos…

E há uma cena que ele fica extasiado com todos os privilégios que lhe trariam o título de Doutor! “Poderes especiais, o respeito de todos, os melhores lugares nos restaurantes, cela especial na prisão e até a possibilidade de ter dois empregos, apesar da Constituição. E tudo isso sem precisar ter conhecimento! Bastava o diploma…” E assim ele vai.

Nas aventuras dele para conseguir falar com o Deputado, você descobre que no Brasil tudo funciona por apadrinhamento; e que se você for mais inteligente, mais bem intencionado, mais culto e mais preparado do que os belezões que tem influência, mesmo assim, você terá que se submeter ao julgamento de alguém que é inferior a você, mas cuja arrogância e pequenez o impede de admirar qualquer coisa.

O ódio ao conhecimento…

É assim… Você terá que implorar a aprovação e o reconhecimento de uma gente ressentida e invejosa, que sequer está apta a analisar o seu trabalho e a julgar sua personalidade…

Isaías Caminha chega a dizer de si para consigo que fora a República que soltara de dentro das nossas almas todas “uma grande pressão de apetites de luxo, de fêmeas, de brilho social”.

Diz ele que o nosso “Império decorativo” tinha virtudes de torneira. Derrubada a monarquia, tudo virou política, sacanagem e mesquinhez. Cada um de nós, começou a imaginar “meios de fazer dinheiro à margem do código” e a detestar os detentores do poder que “tinham a vara legal capaz de fornecê-lo a rodo”.

Afinal, a República foi um golpe muito bem aplicado por uma oligarquia fundiária aliada a uma outra oligarquia, burocrática militar de mentalidade positivista.

A miséria do jornalismo

Bem, era por isso que o público tinha receptividade por aquela espécie de jornal no qual ele, depois de muitas peripécias, conseguiu emprego: “Com descomposturas diárias, pondo abaixo um grande por dia, abrindo caminho, dando esperanças diárias aos desejosos, aos descontentes, aos aborrecidos”.

Não que a mídia denunciasse os podres dos grandes e por isso o povo se revoltava com aquela decadência moral. Não! Na verdade, aquele tipo de jornalismo porcamente populista vendia tanto, porque no Brasil as pessoas ficam indignadas por não estarem participando da orgia.

Os grandes escândalos, os grossos, as ladroeiras públicas eram denunciadas pelos próprios funcionários desgostosos, por políticos pedinchões e não satisfeitos e pelos próprios subordinados. Ou seja, “Dê-me um pouquinho senão eu vou lá e conto pra todo mundo!”

Esse é o clima moral do Brasil até hoje. Lembre-se dos escândalos de corrupção que saíram na mídia: Um povo que permaneceu calado enquanto roubaram praticamente tudo o que ele tinha de superior – sua cultura foi destruída, sua educação foi tomada por charlatães, sua inteligência foi assassinada e até sua fé foi pisoteada – de repente, quando anunciou-se que mexeram no dinheiro: indignação e revolta! No dinheiro não!

Ora, o que destrói culturalmente as pessoas não é a violência, não é o terror. É a corrupção da alma!

E assim, Isaías Caminha, longe de ser um herói que resiste bravamente à opressão do coletivo contra a consciência do indivíduo, é, na verdade, um tolo que inicia sua trajetória nessa corrupção da alma através de anseios bobos e vaidosos. Tudo isso para terminar frustrado, percebendo o vazio daquela vida de dissolução e hipocrisia que acaba, enfim, por destruí-lo…

Referência bibliográfica:
BARRETO, Lima. Recordações do Escrivão Isaías Caminha.

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