Religiosidade

Presentes Impalpáveis

Nossos Sábios ensinam: “Àquele que dá uma moeda a um pobre são concedidas seis bênçãos; aquele que o agrada é abençoado onze vezes”.

Agradar não significa necessariamente dar mais dinheiro. Significa passar um sentimento positivo, mostrar àquele que recebe que você se preocupa com ele e que ele significa alguma coisa para você. Quando alguém se investe desta maneira em outra pessoa, colocando o suficiente de si próprio no estranho, de forma a que ele se sinta apreciado, ele terá dado alguma coisa maior que dinheiro. E, assim, ele recebe uma benção maior de D’us.
Isto leva a um conceito mais profundo: O apreço deriva do envolvimento; quando mais profundo o relacionamento entre as pessoas, mais apreciamos o ser especial que é o outro. Quando uma pessoa aprecia um colega, ele fica motivado a fazer o possível por aquela outra pessoa.

Apreciando a Bondade de D’us

Estes conceitos se aplicam não somente aos nossos relacionamentos com as outras pessoas, mas também ao nosso relacionamento com D’us.
Um dos maiores impulsos no Judaísmo é hakarat hatov, apreciação do bem que D’us constantemente nos concede. E, assim como com a apreciação de nosso companheiro, a ênfase é sobre a apreciação não somente da dimensão material da bondade de D’us, mas também o amor e o cuidado que Ele derrama sobre todas as pessoas2.
Neste sentido, nós podemos entender a sequência de nossa leitura da Torá. Parashá Ki Tavo. A leitura começa descrevendo a mitsvá de bikurim3, os primeiros frutos que os judeus traziam ao Beit HaMicdash e, logo depois, fala de um pacto concernente a toda a Torá 4.

Qual é a conexão entre estes assuntos?

A mitsvá de bikurim foi instituída para mostrar nossa gratidão pelo bem que D’us nos concedeu 5 e para mostrarmos nosso apreço por Ele por “nos ter concedido todas as bênçãos deste mundo”6. E, este apreço, não é expresso meramente por palavras de agradecimento, mas através de ações. A pessoa devia selecionar seus primeiros frutos e fazer uma viagem especial para levá-los a Jerusalém para demonstrar seu agradecimento a D’us. Além disso, os primeiros frutos seriam, assim, consagrados, indicando que uma conexão duradoura com a santidade de D’us tinha sido estabelecida.
Nisto reside a conexão com toda a Torá. Em um sentido mais amplo, cada aspecto da vida da pessoa pode se tornar bikurim , como expressão do agradecimento a D’us por Sua bondade. A todo o momento, a pessoa está perante D’us e pode demonstrar que toda a existência compartilha uma ligação com Ele.

Mais do Que Apenas Uma Terra Física

Como uma preparação para a mitsvá de bikurim, a Torá nos diz7: Ki tavo el haEretz, “E quando tu entrares na terra que D’us… está te dando como uma herança”. A capacidade de trazer bikurim depende da entrada em Eretz Yisrael, a terra da qual é dito 8 que “Os olhos de D’us, teu Senhor, estão sobre ela desde o início do ano até o final do ano”.
Quando alguém entra em Eretz Yisrael e permite que Eretz Yisrael entre nele, sua sensibilidade é aumentada ao ponto de ser capaz de praticar seu serviço espiritual de bikurim e, de fato, faz este modo de serviço vir a caracterizar sua abordagem à Torá e suas mitsvot como um todo.

Uma Entrada Completa

Um entendimento mais profundo dos conceitos acima relatados pode ser alcançado ao considerarmos as implicações haláchicas da palavra tavo, que significa “entre”.
Nossos Sábios explicam que esta palavra indica entrar inteiramente, sem nenhuma parte do corpo ficando do lado de fora. Por exemplo, em relação a se contrair uma impureza de uma casa afetada pela tzaraas (a descoloração associação à lepra), está escrito9: “Aquele que entrar na casa… ficará impuro”. Com base nisso, nossos Sábios determinaram10 que todo o corpo da pessoa deve entrar na casa afetada antes que ela seja considerada impura.
Da mesma forma, em relação à purificação dos utensílios em um mikvê, está escrito11: “Ele entrará na água… e ficará purificado”. Este texto é interpretado como significando que todo o utensílio deve ser submerso de uma só vez. A mesma lei se aplica em relação a uma pessoa: todo o seu corpo deve entrar na mikvê. Se apenas um fio de cabelo permanecer acima da água, a imersão é ineficaz.
Neste sentido, ki tavo, entrando em Eretz Yisrael para trazer os primeiros frutos, significa entrar inteiramente na Terra. Portanto, o versículo menciona não somente entrar em Eretz Yisrael, mas também que “tu a terás como uma herança e tu a ocuparás”. Pois, até que os judeus receberam Eretz Yisrael como uma herança e ocuparam a terra, sua “entrada” não foi completa. Somente depois de eles terem ocupado a terra, a atmosfera de Eretz Yisrael pode penetrar seus processos de pensamento de forma suficiente para motivar a apreciação expressa pelo ato de se trazer os bikurim12.

O Todo e Suas Partes

A discussão acima também nos permite entender a diferença de opinião entre nossos Sábios em relação ao momento em que os judeus passaram a ser obrigados a trazer bikurim.
O Sifri, em seus comentários sobre a frase “E quando tu entrares na terra”, afirma que os judeus foram obrigados a trazer os primeiros frutos imediatamente. Assim que alguém recebia sua própria porção de Terra em herança, afirma o Sifri, ele era obrigado a trazer os primeiros frutos. O Talmud13, entretanto, afirma que a obrigação de trazer os primeiros frutos não ganhou força até o final dos 14 anos durante os quais os judeus conquistaram Eretz Yisrael e a dividiram entre as 12 tribos.
A diferença entre estas duas abordagens é a extensão da entrada que é exigida. O Sifri mantém que, assim que cada indivíduo recebe sua porção de Eretz Yisrael, sua entrada na Terra está completa e ele é obrigado a trazer suas oferendas.
Os Sábios do Talmud, ao contrário, mantém que até que todo o Povo Judeu tome posse de Eretz Yisrael, nenhuma entrada individual estará completa. Somente depois que todo membro do povo estiver estabelecido em seu lar, qualquer individuo poderá ser considerado como tendo entrado em Eretz Yisrael no sentido pleno.

Dois Níveis de Graças

Alternativamente, pode ser explicado que estas duas opiniões se referem a duas frases na expressão de nosso apreço por D’us. para citar um paralelo em nosso serviço diário: Assim que nós despertamos, nós começamos nosso dia com Modê Ani, a afirmação de agradecimento a D’us por devolver nossas almas da “pequena morte” do sono14. Esta expressão de gratidão é natural e espontânea, emanando da essência da alma. Mesmo assim, ela tem uma qualidade inferior, pois não foi cultivada pelo pensamento.
Em nossas rezas, que culminam com a Amida, bênção de Modim do Shemonê Esrê15, nós oferecemos uma expressão mais completa de agradecimento. Os sentimentos intuitivos de gratidão da alma são intensificados por nossa meditação consciente e suplicante das múltiplas bênçãos que desfrutamos.
Da mesma forma, em relação à obrigação de trazer bikurim, entrar em Eretz Yisrael significa se aprofundar cada vez mais nas dimensões espirituais da Terra, até que a nosso apreço pela bondade de D’us seja abrangente. Isto não pode ser feito imediatamente, mas requer um compromisso de longo prazo de crescimento e desenvolvimento.

Ansiando Por Entrar Em Eretz Yisrael

Moshê fez aos judeus a promessa de Ki Tavo – de que eles entrariam em Eretz Yisrael enquanto ainda estivessem no deserto. Esta frase serve como o nome de toda a leitura da Torá, pois a promessa de que nós entraremos em Eretz Yisrael é suficiente para inspirar o compromisso de cumprir todas as mitsvot mencionadas na leitura.
Conceitos semelhantes se aplicam aos dias de hoje. Foi-nos feita a promessa de que em breve “entraremos na terra que D’us… está te dando como uma herança” liderada pelo Mashiach. A consciência desta promessa deve inspirar um comprometimento forte o suficiente para superar os desafios remanescentes do Exílio. E isto levará à época em que nós traremos novamente nossos primeiros frutos como oferendas para D’us no Beit HaMicdash, agradecendo a Ele por toda a Sua bondade.

NOTAS:

1. Bava Basra 9b.

2. Neste contexto, existe uma conexão com o mês de Elul, no qual a Parashá Ki Tavo é sempre lida. Elul é associado com o versículo “Eu sou do meu amado e Meu Amado é meu” (ver “Timeless Patterns in Time”, Vol. II, p. 153), enfatizando o amor entre D’us e a humanidade.

3. Devarim 26:1-11.

4. Op. cit.: 16ff.

5. Rashi, comentário sobre Devarim 26:3.

6. Sefer HaChinuch, mitsvá 606.

7. Devarim 26:1.

8. Devarim 11:12.

9. Vayicrá 14:46.

10. Chulin 33b. Ver Tosafot, item Dicolei.

11. Vayicrá 11:32.

12. Quando um dos chassidim do Tzemach Tzedek pediu suas bênçãos para fazer aliyá, mudar-se para Eretz Yisrael, o Tzemach Tzedek lhe disse: “Faça aqui Eretz Yisrael”, isto é, preencha o ambiente à sua volta com a santidade de Eretz Yisrael (Igrot Kodesh do Rebe Rayatz, Vol. I, p. 485). Assim, em um sentido mais amplo, o conceito acima tem importância além dos limites geográficos de Eretz Yisrael.

13. Talmud Bavli, Kidushin 37b; Talmud Yerushalmi, Shevi’is, 6:1.

14. Sidur Tehillat HaShem, p. 6.

15. Ibid., p. 58.

Adaptado de Likutei Sichot

Vol. IX, pgs. 152ff, 289; Vol. XIX, p. 245ff
Sefer HaSichot 5748, p. 634ff
Sefer HaSichot 5751, p. 810ff

Por Rabino Eli Touger

Rabino Eliahu Hasky

Fonte Grupo  Blog Torah Com Você

Eliahu Hasky

Colunista para Israel em Duna Press Jornal e Magazine, reportando os assuntos e informações sobre atualidades culturais da região.

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