Arte

Violante do Céu, a Fênix dos Engenhos Lusitanos

Se é força que a vida
Fique igualmente arriscada:
Antes que de desprezada,
Quero morrer de esquecida.

(Violante)

Nascida em 30 de maio em Lisboa, filha de Manuel da Silveira Montesino e Elena Franco de Ávila, cuja família era muito influente e vinculada à nobreza de Portugal, Violante de Ávila da Silveira Montesino, foi a mais importante escritora barroca portuguesa.
A infância de Violante foi repleta de cultura e desde pequena ela demonstrou talento para música e literatura. Começou a escrever pequena em português e em espanhol e se dedicou à música como instrumentista, e a todos encantava quando tocava graciosamente sua harpa. Começou a estudar Letras e Poesia seguindo seus estudos em Formação Humanística. Aos 16 anos entrou como noviça em um convento. Os pais aceitaram e não a direcionaram para contrair matrimônio como era o habitual à época para uma moça de 16 anos.
Segundo o Padre Francisco de Santa Maria, as obras de Violante começaram a ser conhecidas já quando ela tinha Aos 12 e aos 17 anos ela apresentou duas peças em Lisboa para os Reis Felipe II e III que eram comédias de sua autoria intituladas “A Transformação por Deus e Santa Engracia”. Em sua juventude, Violante ficou órfã de pai e seu avô, Gonçalo Nunes de Ávila é quem assume as funções de pai. E é nesta função que ele nega a neta permissão para casar-se com seu grande amor, o poeta Paulo Gonçalves de Andrada. O poeta a havia pedido em casamento, porém após conversa com o avô de Violante, Paulo deixa Portugal e não volta nunca mais. Aos 29 anos, após o sonho de casar-se com Paulo ser destruído por seu próprio avô; e almejando estudar mais, Violante decide abraçar a vida como religiosa, até mesmo para que pudesse especializar-se em literaturas, estudos sociais e culturais, filosofia, teologia e música, o que naqueles tempos só era permitido se a mulher estivesse vinculada a uma ordem religiosa. E assim, ela tornou-se freira do Convento de Nossa Senhora da Rosa, da Ordem de Santo Domingo, em Lisboa.
Segundo dados históricos, Violante optou pela clausura não tanto por vocação e sim como forma de demonstrar arrependimento por ter amado um homem com quem não se casou, o que a fez sofrer terrivelmente. Tal experiência percorre muitos de seus poemas, mesmo os de cunho religiosos uma vez que nestes ela suplica a Deus que a perdoe pelos erros do passado.
Antes de ingressar no convento, Violante era conhecida como Violante da Silveira, ou Violante de Montesino, e era muito conhecida no meio literário e também reconhecida por seus ótimos manuscritos. Entretanto, a partir do momento em tornou-se freira adotou o nome de Sor Violante del Cielo, Violante do Ceo e sóror Violante do Céu. Como irmã dominicana, ela desenvolveu intensa atividade social e cultural e recebia visita de amigos dentro do convento. Muitos destes amigos eram artistas e personalidades da Europa como Manuel de Faria e Sousa, Miguel Botelho de Carvalho e Antônio Figueira Durão.
Violante é até os dias atuais denominada no mundo literário e cultural como “A Fênix dos Engenhos Lusitanos” e como “A Décima Musa” tanto em Portugal quanto na Espanha, em uma alusão elogiosa a uma declaração de Platão em relação à escritora Sappho de Lesbos. “A Décima Musa” segundo alguns críticos, era um apelido que fazia jus a Violante, pois ela utilizava algumas temáticas bastante comuns à obra de Sappho, tais como erotismo, feminismo, sarcasmo, críticas sutis ao patriarcalismo e a forma como os homens cortejavam e possuam as mulheres. Ainda, foi considerada como “A sappho Moderna” daquele século. Violante chegou a ser apontada, por causa de alguns poemas, como subversiva e rebelde, porém ao lançar mão, muito perspicazmente, de uma linha neoplatônica, Violante se destaca e se consagra ao realizar um trabalho literário único e nunca antes realizado daquela forma por uma mulher que demostrava versatilidade nos mais variados temas. Seu escopo era sempre o do amor perfeito, e o amor perfeito deveria incluir Deus. E, ademais, ela propunha desafios hilários em uma retórica e em um lirismo que conseguiam prender e seduzir o leitor. Também, costumava utilizar as figuras de um patrono e de um mártir criando antíteses e dicotomias, ao mesmo tempo em que propunha reflexões sobre a vida, a morte; e a razão de ser das pessoas, do amor e da vida propriamente dita.
Como escritora, Violante do Céu, adotou o estilo Barroco, porém muito bem intelectualizado o que era uma grande inovação já que intelectualizar versos não era uma característica de escritoras, mais conhecidas pelo sentimentalismo que pela razão ou por críticas mordazes. Foi ela quem intelectualizou ainda que escolasticamente temas líricos, o que fez com que sua obra fosse considerada de alta qualidade literária onde ela conseguiu abordar poesia profana e poesia religiosa, sendo a primeira mulher a conseguir unir com maestria e destreza o místico ao ceticismo. Extremamente eclética e talentosa abarcava além de poemas de amor sagrado e secular, sátiras, comédias, romances, madrigais, canções, peças de oratória e epístolas, dentre outros.
A distinta escritora já contava com grande estima do público bem antes da edição de seu primeiro livro, em função da qualidade dos seus versos, os quais já circulavam em cópias manuscritas pela Europa. No entanto, foi só em 1646, em Rouen que as obras de sua juventude foram publicadas em forma de um livro que foi intitulado “Rimas Várias”, composto predominantemente de poesias sobre amores profanos que fontes de sofrimento intenso, e que segundo estudiosos dialogam, mais tarde, interessantemente, com as poesias religiosas.
Uma vez sóror, Violante passou a dedicar-se somente a poesia religiosa, contudo com um alcance diferenciado por envolver temas idealistas, conceptuais e existenciais, bastante complexos e filosóficos o que a elevou a uma categoria de prestígio, fazendo com que fosse considerada a mais prestigiada representante feminina do Barroco português. Ademais, ela escrevia poemas de cunho político e exaltava genealogias nobres. Consta que, inclusive, realizava algumas obras por encomenda de membros da alta nobreza para serem lidas em ocasiões especiais, o que também rendia a Violante boas remunerações. As famílias mais homenageadas por Violante quer em Rimas quer em Parnaso são os Noronhas, os Lencastres e os Castros. Também compôs uma canção dedicada ao renomado dramaturgo e poeta espanhol Félix Lope de Vega y Carpio.
Violante foi indicada a premiações tendo ganhado vários prêmios e era um nome consagrado nas academias literárias de seu tempo. As edições de suas obras rapidamente se esgotavam dentro e fora de Portugal e ela era lida por todos os membros da Monarquia lusitana e hispânica, que incluíam vários Reis de Portugal e muitos integrantes da dinastia Bragança. Violante também tinha vários amigos na França e contava com o apoio deles, dentre eles, uma amiga muito querida a Condessa Inês de Noronha, a quem também dedicou sonetos. Em vários momentos, Violante endereçou poemas a membros da realeza. E muitas vezes diretamente, tanto eleogiando quanto criticando. Dona de uma retórica impressionante, ela traçava o quadro político ao mesmo tempo em que exaltava ou depreciava o soberano em questão. Ela trabalhou também o nacionalismo em composições de exaltação da pátria. Nenhuma das escritoras contemporâneas a Violante conseguiu atingir tanto sucesso quanto ela, nem mesmos as do clero nem mesmo as da nobreza. A obra de Violante foi a mais celebrada em seu tempo, e ainda hoje é reconhecida como um dos expoentes máximos da lírica barroca portuguesa.
Como mulher, Violante, ainda jovem viveu o trauma de ter sido impedida de casar-se com o homem que amava por seu avô. A este amor, ela dedicou poemas sob o nome Silvano que na verdade tratava-se de um codinome para o poeta Paulo Gonçalves de Andrada. Mais tarde, têm-se notícias de que houve uma relação de amizade e admiração mútua entre ela e um frei de nome Leonardo, a quem ela também dedica versos. Por outro lado, também escrevia poemas em que ironizava os homens e suas formas de galanteio. Em poemas e sonetos falou sobre diversas situações envolvendo o relacionamento amoroso, inclusive sobre triângulos amorosos, sem nunca perder a elegância e o humor. Além disso, muitos de seus sonetos são marcados por traços feministas em que ela discute o determinismo e as funções de gêneros, bem como questiona o patriarcalismo com uma inteligência e uma discrição raras para a poesia da época. Questiona o fato de as mulheres não poderem decidir sobre seus próprios destinos e de não poderem escolher com quem se casar, o que na verdade, aconteceu com ela. Dentre as mulheres que mais admirava estava Rute, a personagem bíblica.
Violante tinha muitos amigos para os quais dedicava poemas muito bem feitos e elogiosos. Sua melhor amiga, Belisa (Elisa), foi objeto de poemas sobre a amizade, dentre estes o mais famoso:“Belisa, el amistad es um tesoro”.
Todavia, apenas postumamente é que o grande êxito de sua carreira literária é publicado: Parnasso Lusitano de divinos e humanos versos. Por razões desconhecidas, nenhuma das poesias de temática sacro-religiosa foram publicadas durante a vida de Violante permanecendo inéditas até 1733. Enquanto ela viveu, suas poesias de sucesso foram as de cunho cômico-amoroso e não as de caráter sacro. Violante faleceu no próprio convento por volta dos 90 anos de idade.
Em 1949, a Câmara Municipal de Lisboa homenageou a escritora dando o seu nome a uma rua próxima à Avenida da Igreja, em Alvalade.

Obras
La transformación por Dios (Comédia) 1617 (Desaparecida)
Meditacoens da Missa, e preparacoens affectuosas de huma alma devota e agradecida a vistas das finezas do Amor Divino contempladas no Acro-santo sacrificio da Missa, e memoria da sagrada Paiza de Christo Senhor nosso, com estimulos para o Amor Divino.
Obras em Fênix Renascida ou Obras dos Melhores Engenhos Portugueses (Volume I ao V)
Obras em Postilhão de Apolo – Volume I e II
Parnasso Lusitano de Divinos e Humanos Versos, Lisboa.
Poesias várias de uma poetisa anônima (Atribuídas a Violante)
Rimas Várias (26 composições)
Rimas varias de la Madre Soror Violante del Cielo, religiosa en el monasterio de la Rosa de Lisboa, Rouen, França.
Romance a Christo Crucificado.
Santa Engrácia (Comédia) 1619 (Desaparecida)
Soliloquio ao SS. Sacramento.
Soliloquios para antes, e depois da Comunhão.

Crédito da imagem: Revista Arcádia

Referências:
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Clarissa Xavier

A professora é voluntária e colabora com artigos nas áreas de educação e estudos religiosos para periódico e livros do Grupo Duna.

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