O teatro silenciado de Carlos Vereza

Uma Jornada Teatral Pela Verdade Oculta: O Enigma dos Zweig

Assisti em primeira mão à peça Lotte Zweig – a mulher silenciada, deste título parafraseio o meu, que não se pretende crítica, apenas um ensaio que aponte as possibilidades de leitura teatral e que não extrapole nem restrinja a obra de Carlos Vereza, nem traia a dramaturgia que nós, como público, estamos esquecidos. A estreia foi no Rio de Janeiro, mas de acordo com Vereza, logo virá para temporada em São Paulo e outros estados.

A primeira feliz escolha do autor, diretor e autor da peça Carlos Vereza foi se reportar às notícias falsas de suicídio de Stefan e Lotte Zweig, encontrados mortos em sua residência, em Petrópolis. Sem inquérito que justificasse a causa da morte, o governo Getúlio Vargas encerrou o caso e pensava enterrar a história. Hoje não mais. Para quem não conhece Stefen Zweig, foi um dos maiores autores do século 20 e fugiu para o Brasil com sua mulher e secretária, Charlotte, da Áustria ocupada por Hitler. Nunca se calou sobre o massacre tanto de judeus, como de ciganos, padres e homossexuais perpetrado pelo regime nazista. Este foi o motivo de seu assassinato.

A despeito dos que criticam o revisionismo, e há muito o que rever nas histórias contadas pela imprensa de ontem e de agora, pistas consistentes e inquietantes provocam a sociedade, cansada da injustiça e das mentiras que se tornaram correntes no Brasil. 

A hipótese cada vez mais plausível de assassinato do casal por agentes nazistas com a conivência do governo do Estado Novo está presente na pesquisa do dramaturgo Vereza, justificada no texto em espetáculo quase solo de Lotte. 

Segundo as falas presentes no texto dramático, o casal dormia em camas separadas devido à asma da mulher; estavam morando em local aprazível, de clima europeu e não davam sinal de depressão, inclusive estavam aprendendo Português; Lotte fazia um suéter de tricô, estava organizando uma nova biblioteca em casa e fazendo tratamento para sua doença. Na foto post-mortem, aparece o casal vestido em roupas comuns e abraçado em camas juntadas artificialmente, em um cenário “fake” montado pelos criminosos. 

Não parece que teriam perfil suicida.  Cada vez mais, perdido no tempo, o fato se torna mito e resiste ao pensamento crítico, assume ares de verdade, quando é apenas mentira fabricada. 

É uma felicidade revigorada saber que Vereza está nos palcos e bastidores para não deixar que as comédias culinárias, o besteirol e os musicais copiados da off Broadway de hoje apaguem a essência e o próprio objetivo do teatro: causar alguma emoção que mobilize os sentidos, a conduta e até a consciência do público, por meio de catarse – viver as emoções do outro, expiando as suas próprias.

A atriz Hanna Kolodny, a outra escolha feliz, aliás, faz um excelente papel como Lotte. Voz, corpo, movimentos, tudo é expressivo nessa linda gaúcha, que demonstra estar muito à vontade, incorporada como uma mulher estrangeira e certamente mais velha que ela, o que lhe dá um peso dramático de difícil execução e lhe confere desempenho louvável.

Na produção, as escolhas de trechos de filmes que demonstram o horror do holocausto e documentam a política do nacional-socialismo, vergonhosamente defendida pelo ocupante do Palácio do Planalto, provocam a indignação da plateia, que não assiste passivamente ao espetáculo, mas reage com entusiasmo e até lágrimas diante de trechos de documentários, imagens, trilha sonora e fatos relatados em off. 

Vereza, é importante ressaltar para quem vai assistir e pode se frustrar com sua pequena participação, só entra em cena nos dez minutos finais, depois de mais de 50 minutos de monólogo de Hanna. Não me pareceu boa saída técnica, falando como crítica e dramaturga, pois o tipo de teatro narrativo proposto pelo autor aproxima-se mais da Literatura que do Teatro, com a protagonista relatando em discurso indireto o que deveria ser diálogo, com Vereza fazendo papel do marido Stefen, e não apenas um homem que entra no final, desconhecido, anônimo, que pouco interage com Lotta. Este é um ponto a ser trabalhado no texto, que o autor Vereza ainda tem a opção de refazer, a exemplo do que fez em “Nó Cego”, também de sua autoria, em que contracenou com Francisco Milani, no teatro Eugênio Kusnet, em São Paulo, no início dos anos 80. 

Na peça, um guarda e um catador de papel discutem sobre o local que foi uma forca e a pressão para que o local seja esquecido, o mesmo esquecimento que querem atribuir hoje ao possível assassinato de um casal de nome internacional que veio buscar abrigo no Brasil e encontrou a morte. 

Você não viu “Nó Cego”? Não era nascido? Não foi documentado? Que pena. Teatro é assim: ou você está presente para ser a testemunha da história, ou perdeu a oportunidade da onda perfeita, a entrada do seu naipe no coro, a mulher da sua vida por ter chegado atrasado ao encontro. O momento da cena não volta mais, por isso, eu sempre recomendo que você vá ao teatro, ao concerto, ao espetáculo ao vivo. Vereza vem aí. Não perca. 

Vera Helena Pancotte Amatti

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