Arte

Minha Mãe é uma Peça 3 – A Comédia Nacional não Morreu

Compartilhar

Nossa vida é como uma comédia: ninguém repara se foi longa, e sim se foi bem representada. (Sêneca)

O humor é iconoclasta, subversivo e caricatural, não tem obrigação alguma em transmitir fatos do modo como ocorreram, nem tem compromisso com a verdade, seja do ponto de vista filosófico seja do teológico, e sim, tem no riso sua vocação e destino. Por iconoclasta entenda-se que ele possui um forte papel crítico, pois, se dirige, muitas vezes, às classes mais favorecidas, tanto financeiramente como em termos de reputação.

O Bobo da Corte ou Bufão era um palhaço que entretinha a realeza em vários países europeus havendo evidências de sua presença na Idade Média e na era de ouro do Teatro Elisabetano (1558-1625) e em vários outros períodos históricos. Por exemplo, em Roma a figura deste palhaço não era algo incomum. Ele, o bobo, tinha um poder que muitos desejariam ter: ousadia para fazer burla com figuras de autoridade, como os reis: Principalmente nos séculos XIV e XV, o bobo fazia parte do grupo de artistas sustentados pelas cortes, junto com pintores, músicos e poetas.

Quem melhor definiu sua posição junto aos poderosos foi o gênio do teatro inglês William Shakespeare (1564-1616), que destacou a figura dos bobos dando a eles papéis de grande importância em sua obra. “Em peças como Rei Lear e A Noite de Reis, o bobo é o mais esperto dos personagens. Ele tem licença para falar aquilo que ninguém mais ousa dizer”, diz John Milton, professor de Literatura Inglesa da USP. A liberdade do personagem é tão grande que ele chega a criticar os próprios reis, com comentários ácidos e que divertem o público. “No teatro de Shakespeare, o público não ri dos bobos da corte, ri junto com eles”, afirma Milton.

Por subversivo compreenda-se seu caráter desordeiro e revolucionário. A comédia vai de encontro quase sempre, a ordem estabelecida e as regras sociais, usando-as como matéria prima para o riso. É caricatural por distorcer características de uma pessoa ou instituição, distorcendo-as ou engrandecendo-as.

O Ser Real (figura historia) e o Ser Alvo da comedia (figura histórica representada), não são o mesmo. Embora Aristóteles não tivesse a Comédia como gênero importante, pois, ela tratava do homem comum e não de grandes heróis míticos, podemos compreender que este gênero cresceu e se desenvolveu longe do interesse das elites, somente sendo abraçado por estas quando estava claro que o riso é maior forma de celebrar a vida, pois, ele é o reflexo da euforia e felicidade da alma.

Como diria Maricélia Nunes dos Santos, graduada em Letras, e Lourdes Kaminski Alves, doutora em Literatura, no seu artigo Formas Da Comédia e do Cômico: Estudo da Transformação do Gênero: “(…) tem como objeto justamente os aspectos ridículos do humano, isto é, não trata daquilo que orgulha, senão do que envergonha, do que rebaixa, em certa medida”. Conforme aponta Jaeger, “[…] a origem da comédia encontra-se no incoercível impulso das naturezas mais comuns, poderíamos até dizer, na tendência popular, realista, observadora e crítica (…)”

O que isso tem a ver com esta critica? Bem, em tempos onde humoristas são cada vez mais levados a sério e onde piadas são criticadas como se fossem discursos de algum estadista, vale dizer o que é a comédia e sua função.  

O terceiro filme brinda o espectador com uma produção onde é impossível parar de rir minuto após minuto. O humorista Paulo Gustavo realmente merece ser considerado um dos melhores humoristas do Brasil, dado seu talento em compor personagens tanto em produções para TV como para o cinema. O filme não inova, utilizando-se do que já vimos nas duas primeiras produções, contudo o faz com naturalidade, em grande parte do tempo e de forma bem pensada, o que oferece a este filme um certo frescor.

Os roteiristas Paulo Gustavo, Fil Braz e Susana Garcia seguem centrando todo o humor na figura de D. Hermínia, interpretada por Paulo Gustavo, sendo os demais atores, personagens-escada, estando lá para preparar o palco para o personagem principal, para deixar que este brilhe. Isso torna os demais atores e seus respectivos papeis desinteressantes? Não. Cada ator trabalhou bem o roteiro ao ponto de oferecer ao público boas atuações e nos momentos onde o drama, embora rapidamente e pontualmente, foi trabalhado, percebemos o talento que possuem.

D. Hermínia retorna com duas grandes surpresas, a gravidez da filha Marcelina (Mariana Xavier), e o casamento do filho Juliano (Rodrigo Pandolfo). Esses dois fatores conseguem dar certo peso dramático ao roteiro o que serve de contraponto ao humor e também é matéria-prima para gerar diálogos hilários. Carlos Alberto (Herson Capri) está de volta em poucas cenas, mas, atua bem em cada momento em que aparece em tela, talvez, deveria ter tido uma participação maior dado o momento do casamento do filho e a gravidez da filha, contudo, o que a direção e roteiro lhe entregaram é trabalhado bem, graças a experiência de Capri.

As únicas cenas que saem do tom nesta produção em nossa visão são: a cena onde D. Hermínia recorda que Juliano, ainda criança, quando desejou ir de Emília para uma festa, foi mal tratado nela e a cena do casamento dele com seu namorado. Saem do tom por cair naquilo que vem enfraquecendo e diminuindo o valor artístico de várias produções que é o panfletismo. As cenas são carregadas daquele simplismo e desejo de conscientizar o público sobre alguma causa, neste caso, a presença da homofobia na sociedade brasileira.

As cenas surgem como artificiais e forçadas. O filme coloca o filho homossexual de Hermínia e sua sexualidade sendo lidadas por sua mãe com humor, certa apreensão, mas, sobretudo NATURALIDADE. Paulo Gustavo faz humor com isso no primeiro filme, brinca com a surpreendente bissexualidade do filho caçula no segundo, e agora, mostra o casamento deste com seu namorado sem ressalvas.

Os três filmes já transmitem uma mensagem clara sobre como produção, elenco e direção percebem a figura do homossexual e realizam isto muito bem. O personagem Juliano atrai a simpatia do público desde o primeiro filme mesmo tendo poucas cenas. A cena da festa infantil repete o jogo simplista de ver aqueles que consideram estranho uma criança do sexo masculino se vestir de mulher como preconceituosos e arrogantes, pessoas a ser temidas.

A cena do casamento, com o discurso de Hermínia, comete o mesmo erro: Hermínia é a mãe que odiamos e amamos com muita intensidade desde sua primeira aparição e que nos alegra e enche de risos, ela sempre foi por trás de suas explosões, a mãe que abraça, acolhe e protege. Em cada atitude para com o filho, a personagem nunca demonstrou repúdio e sempre esteve ao lado dele e endossar isso com um discurso que fala do que já sabemos é desnecessário. Ainda esperamos ver uma produção que não considere oposição e antagonismo a alguma visão progressista ou humanista um crime de preconceito e ato perpetuado por cabeças retrogradas.

Claro que sendo Paulo Gustavo, homossexual, casado e pai de família, entendemos que talvez isso tenha vindo legitimamente de um coração que deseja construir através de sua arte um mundo melhor, porém, o modo como foi trabalhado nas duas cenas aqui mencionadas ficou, a nosso ver, ARTIFICIAL demais.

A descrição que fizemos ao começo, define o brilhantismo de Paulo Gustavo, ele representa um humor que pode ser visto como caricatural,  subversivo e até mesmo iconoclasta. Para alguns críticos mais restritos, o ato de um homem se passar por mulher como aqui ocorre, desqualifica o filme. Bem, Shakespeare o fazia e tal ato era normal, já que mulheres atrizes era algo inconcebível na época, então, desculpem, mas, essa colocação é espúria.

Paulo Gustavo é melhor que a figura do Bobo da Corte, ele representa a ousadia de fazer humor sem estar atrelado ao Politicamente Correto. Brinca com a idade e velhice de Hermínia e seu ex-marido, com a figura da irmã que fuma maconha e da briga entre sogras… Para alguns críticos isto é inconcebível, já que enxergam as obras cinematográficas somente como mero panfleto ideológico. A comédia deve fazer rir acima de tudo e piada ruim é aquela onde ninguém ri.

Por fim, o filme merece ser visto não somente uma ou duas vezes, mas, várias vezes. No todo, em nossa visão, o filme é uma comedia maravilhosa tendo somente em consideração, as ressalvas, postas acima.

Carlos Alberto Chaves Pessoa Junior

Print Friendly, PDF & Email

Carlos Alberto

Formado em Letras pela UFPE e fluente em inglês e espanhol com certificados internacionais em ambas as línguas. Escreve artigos sobre literatura , educação, cinema e política. Palestrante e debatedor dos temas já mencionados.

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo
Translate »
Top week 38 Top week 37 Comité Militar da OTAN de 15 a 17 de setembro de 2023 Top week 36 Top week 35 Top week 34 O desmantelar da democracia Filosofia – Parte I Brasil 200 anos Séries Netflix tem mais de 1 bilhão de horas assistidas