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Arte

O Conto de Natal, de Rubem Braga

Esperamos que o querido leitor tenha se deliciado com a análise da semana passada sobre o conto Missa do Galo de Machado de Assis. Agora, gostariamos de apresentar um autor que nos tem fascinado nos últimos anos.

Talvez você não esteja familiarizado com este importante escritor brasileiro, mas, não se preocupe, também pouco o conhecia, e talvez seguiria sendo um desconhecido se não fosse pela influência de uma boa amiga. Sempre deve haver espaço para amizades que nos abram portas de conhecimento e prazer, e creia querido leitor, a leitura segue sendo um dos melhores prazeres que a vida tem a nos oferecer.

O crítico e estudioso Antônio Cândido em seu livro Iniciação a Literatura Brasileira, aponta que: “Os cronistas sempre foram numerosos na imprensa diária ou semanal e Machado de Assis foi um mestre do gênero. Enquanto os maiores o praticaram como atividade lateral, Rubem Braga (1913-1990) pode ser considerado cronista puro e talvez o maior da literatura brasileira contemporânea. O seu estilo singelo, correto e elegante, cheio de humor e poesia, é admiravelmente apto para comunicar o sentimento da vida diária e descobrir os aspectos sugestivos dos mais variados aspectos da realidade. Reunidas em livro, as suas pequenas crônicas guardam o interesse das obras plenamente realizadas.”

Uma crônica, segundo Massaud Moises em seu livro Criação Literária – Prosa II é vista da seguinte forma: “A crônica oscila, pois, entre a reportagem e a literatura, entre o relato impessoal, frio e descolorido de um acontecimento trivial, e a recriação do cotidiano por meio da fantasia. No primeiro caso, a crônica envelhece rapidamente e permanece aquém do território literário: na verdade, a senescência precoce ou tardia de uma crônica decorre de seus débitos com o jornalismo stricto sensu.”

Antônio cândido em seu artigo A vida ao rés do chão, complementa: “(…) ela não nasceu propriamente com jornal, mas, só quando este se tornou quotidiano, de tiragem relativamente grande e teor acessível, isto é, há uns cento e cinquenta anos mais ou menos. No Brasil ela tem uma boa história, e até se poderia dizer que sob vários aspectos é um gênero brasileiro, pela naturalidade com que se aclimatou aqui e a originalidade com que aqui se desenvolveu. Antes de ser crônica propriamente dita foi folhetim, ou seja, um artigo de rodapé sobre as questões do dia, – políticas, sociais, artísticas, literárias. Assim eram os da secção Ao correr da pena, título significativo a cuja sombra José de Alencar escrevia semanalmente para o Correio Mercantil, de 1854 a 1855. Aos poucos o folhetim foi encurtando e ganhando certa gratuidade, certo ar de quem está escrevendo à toa, sem dar muita importância. Depois, entrou francamente pelo tom ligeiro e encolheu de tamanho, até chegar ao que é hoje. Ao longo deste percurso, foi largando cada vez mais a intenção de informar e comentar (deixada a outros tipos de jornalismo), para ficar sobretudo com a de divertir. A linguagem se tornou mais leve, mais descompromissada e (fato decisivo) se afastou da lógica argumentativa ou da crítica política, para penetrar poesia adentro. Creio que a fórmula moderna, onde entra um fato miúdo e um toque humorístico, com o seu quantum satis de poesia representa o amadurecimento e o encontro mais puro da crônica consigo mesma.”

É difícil enveredar pela crônica? Sim, é. Há grandes exemplos de fracassos em nossas terras e poucos sucessos. Rubem Braga é sinônimo de êxito. A crônica cativa o leitor apressado, que ao acessar algum, noticia busca com afinco, textos que tanto informam como divertem. A crônica pode fazer rir como também fazer chorar e nisto está uma característica deste “gênero menor” da literatura: flexibilidade.

A crônica não deseja ser “levada a sério” como literatura, ela não é poesia ou conto, como revela Luciano Antônio em seu artigo Rubem Braga: Os Itinerários De Um Cronista Do Rio: “um texto híbrido difícil de deslindar. Assim, a crônica, já no seu início, contemplava não só outros gêneros como mantinha certa volubilidade em ser ao mesmo tempo ligada ao momento presente, portanto perecível como os fatos absorvidos e, por outro lado, escapava à corrosão do tempo, proporcionando leituras posteriores sem o interesse meramente factual.”

A crônica baila entre diferentes gêneros sem se enquadrar em nenhum. O professor universitário da UFRJ Eduardo F. Coutinho em seu artigo A Crônica De Rubem Braga: Os Trópicos Em Palimpsesto, aponta: “Não há dúvida de que a crônica é ao mesmo tempo um gênero híbrido, um misto de jornalismo e literatura, anfíbio, uma vez que tanto vive no jornal e nas revistas quanto nas páginas de um livro, e camaleônico, porque desafia as limitações dos gêneros literários e muda facilmente de feição, mas, isso não a torna um gênero secundário ou menos expressivo.

Não apresentarei uma crônica propriamente dita, e sim, um conto. Cabe dizer, porém, que as grandes qualidades de Rubem Braga como cronista , se fazem presentes, também, nesta obra.

“Sem dizer uma palavra, o homem deixou a estrada andou alguns metros no pasto e se deteve um instante diante da cerca de arame farpado. A mulher seguiu-o sem compreender, puxando pela mão o menino de seis anos. Assim começa um conto triste, verdade, mas, não menos atrativo. Somos apresentados a jornada de um casal pobre em busca de um lugar onde a mulher possa dar a luz. Parece semelhante a estória de um casal bastante lembrado durante os festejos natalinos, não é? E essa semelhança fica mais evidente: Às 7 horas da noite, chegaram com os trapos encharcados de chuva a uma fazendinha. O temporal pegou-os na estrada e entre os trovões e relâmpagos a mulher dava gritos de dor.

— Vai ser hoje, Faustino, Deus me acuda, vai ser hoje.

O carreiro morava numa casinha de sapé, do outro lado da várzea. A casa do fazendeiro estava fechada, pois o capitão tinha ido para a cidade há dois dias.

— Eu acho que o jeito…

O carreiro apontou a estrebaria. A pequena família se arranjou lá de qualquer jeito junto de uma vaca e um burro.”

Este conto mostra a mão sóbria, sensível e inteligente de Braga ao nos fazer acompanhar e ter empatia pelos dois personagens apresentados. Sentimos a dor e a luta pela vida que há de vir. O menino de seis anos somente está lá para agravar a penúria dos pais e despertar a atenção do pai para o detalhe que fechara esta trama.

Esta obra se encaixa no dito por Massaud Moises em seu livro a Criação Literária: “o conto é, pois, uma narrativa unívoca, univalente: constituí uma unidade dramática, uma célula dramática, visto gravitar ao redor de um só conflito, um só drama, uma só ação”. A ação se dá pelo deslocamento dos personagens e todo o drama ocorre pelos obstáculos que eles enfrentam ao se movimentar no tempo (o tempo que se transcorre na busca) e no espaço (a busca por um lugar apropriado) apresentados.

“Na fazendinha o casal descansa, o carreiro chega com as dádivas: quatro broas velhas e uma lata com café. Ao saber pelo carreiro que o dia do nascimento da criança é o Natal, o pai indaga a mulher que o nome do rebento bem que poderia ser Jesus Cristo: Olhe, mulher, hoje é dia de Natal. Eu nem me lembrava…”

O conto chegou a sua conclusão:

“A mulher não achou graça. Fez uma careta e penosamente voltou a cabeça para um lado, cerrando os olhos. O menino de seis anos tentava comer a broa dura e estava mexendo no embrulho de trapos:

— Eh, pai, vem vê…

— Uai! Péra aí…

O menino Jesus Cristo estava morto.”

O nascimento do salvador da humanidade é uma celebração a vida, aqui a morte tem o triunfo final, por pobres, ricos e anjos foi exaltada a nova vida do Deus encarnado, aqui, só o carreiro permanece como testemunha.

Os reis magos trouxeram presentes para um rei, mostrando a grandeza do recém-nascido, o carreiro traz broas e café, revelando a miséria que circunda esta vida enrolada em trapos. Cristo nascido traz a narrativa da esperança e do impossível manifestado, o bebê morto mostra o desespero e dor, marcado pelo virar de rosto da mãe e seu fechar de olhos.

Não posso deixar de notar um paralelo com a obra Morte e Vida Severina de João Cabral de Melo Neto, onde também há o nascimento de uma criança.

“(…) deixe agora que lhe diga:

eu não sei bem a resposta

da pergunta que fazia,

Severino, retirante,

se não vale mais saltar

fora da ponte e da vida;

nem conheço essa resposta,

se quer mesmo que lhe diga

é difícil defender,

só com palavras, a vida,

ainda mais quando ela é

esta que vê, Severina

mas se responder não pude

à pergunta que fazia,

ela, a vida, a respondeu

com sua presença viva.

E não há melhor resposta

que o espetáculo da vida:

vê-la desfiar seu fio,

que também se chama vida,

ver a fábrica que ela mesma,

teimosamente, se fabrica,

vê-la brotar como há pouco

em nova vida explodida;

mesmo quando é assim pequena

a explosão, como a ocorrida;

como a de há pouco, franzina;

mesmo quando é a explosão

de uma vida Severina”

Severino, personagem principal, se depara com tanta dor e desespero em sua busca por esperança, que decidi se matar e indaga a um senhor se há razão para não fazê-lo, e o trecho acima é a resposta: mesmo diante de uma vida recém colocada num mundo pobre, quase certo fadada a mesma sina de Severino, a vida venceu a morte, a esperança reina. O conto de Rubem Braga se encerra sem sinais de melhora ou mesmo promessas de dias melhores para a pobre família. Jesus Cristo morreu e nada mais merece ser dito.

Próxima segunda será a vez de O Peru de Natal de Mário de Andrade ser analisado. Lembramos que todas as segundas teremos Crítica Literária sobre as obras de grandes escritores brasileiros. Comentários e Críticas serão sempre bem vindos por serem o termômetro de nosso trabalho.

Carlos Alberto

Formado em Letras pela UFPE e fluente em inglês e espanhol com certificados internacionais em ambas as línguas. Escreve artigos sobre literatura , educação, cinema e política. Palestrante e debatedor dos temas já mencionados.

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