
Para ler a Introdução do artigo leia : Um olhar sobre o Mundo Mágico de Lewis- Introdução
2. A construção da ficção em C.S Lewis
2.1 A questão da alegoria
Lewis foi um grande intelectual que sem dúvida marcou seu tempo e inspirou geração de autores que viriam, todavia Crônicas de Narnia sempre foi alvo de discordância entre diferentes críticos pelo fato que alguns compreendem a série de contos como uma alegoria enquanto outros preferem evitar a simplicidade de entender o livro como uma alegoria bíblica baseando-se especialmente em afirmações feitas pelo próprio Lewis que veementemente engava ter escrito os contos como uma alegoria. J.R.R Tolkien foi um dos pensadores notáveis que entendia o mundo de Narnia como uma alegoria e por ser um árduo critico desse tipo de recurso estilístico não creditou ao primeiro conto de Lewis, O leão ,a Feiticeira e o Guarda-roupa, grande valor literário:
Tolkien não gostava de alegoria tão intensamente porque ele sentia que era demasiado didático. Não deixa possibilidade para que existam outros níveis de sentido no trabalho. Tolkien percebia o artista, criado à imagem de Deus, como sendo um “sub-criador” – produzindo um trabalho de imaginação que funcionava melhor quando seguia a própria complexa ação de criação de Deus. Para fazer isso com mais sucesso, um mundo alternativo completo teve que ser criado em que a obra da redenção poderia ser jogada dentro das suas próprias limitações consistentes e lógicas. Não era suficiente criar um mundo com apontamentos simbólicos a Jesus Cristo e a cruz; esse mundo tinha de ter uma história inteira e uma dinâmica interna única que pudesse encarnar as verdades universais de uma maneira totalmente refrescante. (Longenecker)
O mundo criado por Tolkien em O Senhor dos Anéis é bem mais complexo e vasto que o de Crônicas de Narnia sem dúvida porém vale ressaltar que a vastidão de uma obra ou o uso de certo elemento estilístico por si só não tornam tal escrito mais grandioso que outro. Muitas obras usaram a alegoria como recurso literário. Alguns das historias mais populares da literatura são alegóricas. Na A Divina Comédia de Dante Alighieri, por exemplo, Dante representa a humanidade como ele viaja através do Inferno, Purgatório e Paraíso. Em O Peregrino de John Bunyan, conceitos como esperança e misericórdia se tornam personagens da vida real em sua saga de um homem (chamado Christian) em busca de salvação. Assim, também, o primeiro livro de Lewis escrito depois de sua conversão cristã denominava-se O Regresso do Pelegrino, uma alegoria onde Lewis descreve o seu caminho rumo a fé cristã de modo similar realizado por Bunyan. Lewis já havia utilizado a alegoria antes e é entendível que para muitos críticos creem que ele a utilizada mais uma vez em As Crônicas de Narnia todavia Lewis deixou claro que o que havia escrito:
Embora Lewis deixa claro que As Crônicas de Nárnia não é uma alegoria ,ele não nega que algum simbolismo foi escrito para a série . Mas , para compreender a sua abordagem , é preciso reconhecer que Lewis diferencia alegoria a partir de algo que ele chama suposição . Em uma carta dez 1959 a um jovem garota chamada Sophia Storr , ele explica a diferença ( grifo meu):
Eu não digo . ‘ Vamos representar Cristo como Aslan . ‘ Eu digo, ‘ Supondo que houve uma mundo como Nárnia , e supondo , que como o nosso, precisava de redenção , vamos imaginar que tipo de Encarnação e Paixão e Ressurreição de Cristo haveria lá. “
Alegoria e suposição não são dispositivos idênticos , de acordo com Lewis , porque eles lidam com o que é real eo que é irreal de forma bastante diferente . Em uma alegoria , a idéias , conceitos e até mesmo pessoas que estão sendo expressas são verdadeiras, mas os personagens são de faz de conta . Eles sempre se comportam de uma maneira reflexiva dos conceitos subjacentes eles estão representando. Uma suposição é muito diferente ; o personagem de ficção torna-se “real” no mundo imaginário , assumindo uma vida própria e adaptando-se ao mundo de faz -de-conta , se necessário. Se, por exemplo , você aceita a suposição de Aslan como verdade, então Lewis diz: “Ele realmente tem sido um objeto físico em que o mundo como ele era na Palestina, e Sua morte na Mesa de Pedra teria sido um evento físico não menos do que a sua morte no Calvário “(Allegory and Symbolism: Deciphering the Chronicles)
Lewis criou sua série de contos partindo de uma simples ideia: se há outros mundos dimensionalmente paralelos ao nosso como Cristo se apresentaria neles? Ora num mundo como Narnia onde animais falam, seres mitológicos vivem e a presença do homem é como um mito, uma lenda transmitida por antepassados durante gerações, claro que neste mundo a figura do redentor cristão não poderia sem personificada em um homem; a figura do Leão o representaria melhor já que concebemos a imagem deste animal como um ser nobre e soberano e , ao longo de nossa historia, leões foram símbolos de poder e majestade usados como insígnias de reis e estandartes de guerra. O rei da Inglaterra Ricardo I conhecido como Ricardo Coração de Leão entre súditos e inimigos devido a sua fama de grande guerreiro e estrategista militar é uma evidência de como atribuímos tanto poder a imagem do leão e como na cultura ocidental e oriental tal imagem vincula-se aos adjetivos previamente citados.
Lewis optou pelos contos por crer que suas limitações reinforçariam sua criatividade e cuidado com o uso de vocábulos. Tolkien optou por um gênero que o permitisse descrever e minúcias o mundo que criara da mesma forma cada um de seus personagens são explicados página após página de acordo com a origem geográfica de cada um, cultura, historia e mesmo de acordo com a língua. Lewis via nos contos de fadas:
E no momento em que eu [Lewis] pensei sobre isso [o conto de fadas] Eu me apaixonei com a forma: sua brevidade, suas restrições severas à descrição, seu tradicionalismo flexível, a sua hostilidade inflexível a todas as análises, digressão, reflexões, e ‘gás “. Eu já estava apaixonado por ela. As suas próprias limitações de vocabulário tornaram-se uma atração; como a dureza da pedra agrada o escultor ou a dificuldade do soneto encanta o sonetista.(Lewis, C.S. Stories and Other Essays on Literature, p.46-47)
Ora como vemos ,embora não possamos negar que uma leitura de Narnia como uma alegoria seja possível, seria mais coerente entender a sua criação como um universo novo com paralelos com a historia da humanidade e seu próprio redentor espiritual. Se lermos os contos de acordo como a ideia de que são uma suposição ( Lewis ,1982) podemos ver que de fato as Crônicas de Narnia funcionam como mito. Lewis explica que uma alegoria é uma história com um sentido único, mas um mito é uma história que pode ter muitos significados para diferentes leitores em diferentes gerações.
O próximo artigo tratará da A intertextualidade bíblica em as crônicas de Narnia
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