Leonor de Almeida Portugal de Lorena e Lencastre, a Marquesa de Alorna e Condessa de Assumar, foi a mais importante escritora portuguesa entre os séculos XVIII e XIX.
Nascida em Lisboa, em 31 de outubro de 1750 e falecida em 11 de outubro de 1839, filha de D. João de Almeida Portugal, segundo Marquês de Alorna e quinto Conde de Assumar, a Marquesa-Condessa, que é considerada “lendária”, foi profícua poetisa, ilustradora e pintora, um dos principais nomes do arcadismo português e considerada uma das jovens mais cultas de seu tempo. Ela foi nomeada Patrona das Artes e apontada como “a mulher mais intelectual de Portugal” cuja influência literária foi tanta que sua poesia marcou a cultura de toda a era pré-romântica. Por freqüentar círculos literários nacionais e internacionais, ela estava sempre muito aberta a culturas advindas de outros países, e até de outros continentes.
No entanto, nem tudo era perfeito na vida da Marquesa. Ainda pequena, ela foi encarcerada com sua mãe e irmã em um convento de 1758 a 1777, e testemunhou a prisão do pai na Torre de Belém, e ainda a execução de seus avós maternos; todos os acontecimentos ordenados pelo Marquês de Pombal.
A Marquesa desde muito cedo tinha sede de aprender. Gostava de música e literatura, especialmente poesia. Ela começou a escrever muito cedo e seu talento para as artes literárias recebeu muitos incentivos. Extremamente estudiosa, ela era leitora de Voltaire, Rousseau e Montesquieu, gostava de ler enciclopédias e estudava latim, francês, inglês, alemão e árabe.
A Marquesa de Alorna trabalhou no Convento de São Félix em Chelas como enfermeira, refeitoreira e organista. No tempo livre pintava e escrevia inúmeros poemas. Atuava também como tradutora. Ela traduziu várias obras de Lamartine, Alexander Pope, Oliver Goldsmith, entre outros. Sua primeira coletânea de poemas chamou-se justamente “Poesias de Chelas”. A Marquesa escolheu o pseudônimo literário de Alcipe e trabalhou em muitas traduções em latim, alemão, inglês e francês, tendo cultivado a epistolografia e o filosofismo. Ela escreveu em vários subgêneros literários tais como odes, sonetos, éclogas, elegias, canções, apólogos, epigramas e cantigas.
Aos 18 anos ela casou-se com o Conde de Oyenhausen-Groewenbourg, o que a tornou Condessa de de Oyenhausen-Granvensburg. Sua madrinha de casamento foi a Rainha Dona Maria, que também era princesa do Brasil, e como padrinho Dom Pedro III de Portugal, o Edificador (justamente os pais do Rei Dom João VI ).
Alguns anos depois, a Marquesa ficou viúva e pobre. Nesta época ela abriu sua humilde casa para receber escritores e filósofos. Bocage, Alexandre Herculano e Mademe de Staël foram visitantes assíduos. A residência tornou-se um prestigiado reduto para debates literários, culturais e políticos, onde aconteciam tertúlias, saraus e salões literários. Nesse período é que a Marquesa fundou a Sociedade da Rosa. Um dos maiores objetivos da Marquesa segundo historiadores teria sido levar conhecimento e educação para todas as pessoas, sendo ela apontada inclusive como a grande responsável pela criação (por Dona Maria II) das primeiras escolas para mulheres no Reino de Portugal.
A Marquesa recebeu os títulos de Dama das Ordens de Santa Isabel de Portugal e da Cruz Estrelada da Áustria, Comendadora da Ordem de São João de Jerusalém, Dama de honra de D. Carlota Joaquina, da Sereníssima Regente Infanta D. Isabel Maria de Bragança e da Rainha D. Maria II de Portugal.
Estudiosos consideram a vida literária da Marquesa muito primorosa e rara, uma das mais completas de sua época, repleta de simbolismos, e características como sentimentalismo, melancolia, fatalismo, devaneios, desabafos, tom fúnebre e descrição dos estados da alma. Poesia Filosófica e Poesia Científica foram duas das importantes categorias abraçadas por ela.
A obra mais futurista, definitivamente, é, ainda hoje, Recreações Botânicas em que a Marquesa consegue sublimemente demonstrar que as artes, a saúde, a natureza e a poesia são temas concretamente vinculados. Um quadro da mais perfeita biodiversidade:
“Quantos legumes saborosos cobre
Uma silica branca! Com que graça
Verde e branco o faval recrêa a vista!
Como a luzerna, que viçosa cresce
D’esmeraldas os campos alcatifa!
Quantas mais com profusos dons contentam
Homens, aves, quadrupedes, insectos!
As artes, a saúde, a economia,
Implorando os aureílios desta Classe,
Sem as plantas que pródiga concede
Talvez parcos triunfos obteriam”.
Esse “sentimento científico” parece ter sido influência de Manuel Maria Barbosa de Bocage; ainda que outrora fosse bastante comum que os poetas tivessem vasto conhecimento cientifico, e por isso mesmo, tantas vezes demonstrassem a simbiose entre ciências (especialmente as Ciências da Natureza e Matemática) e literaturas. Eram tempos em que os homens e as mulheres da Literatura eram também das Ciências. (Leia mais em “O Sentimento Científico em Bocage”, Rômulo Carvalho).
Dedicada à pesquisa e às investigações acadêmicas como era, é muito provável que a Marquesa tivesse essa formação que, de qualquer forma, encontrou agasalho nas correspondências trocadas com o próprio Bocage, com Herculano, com Madame de Staël e com importantes Condessas e Viscondessas. Ademais, as traduções que fazia das obras de Alexander Pope e Edward Young, contribuíram fortemente para seu desenvolvimento na área.
Poesia Científica é a nomenclatura dada à aplicação de temas científicos no gênero poético, e cuja existência data desde antes de Cristo, pelo menos a partir do Século VIII a.C., com poetas como Hesíodo, Lucrécio e Virgílio. Grosso modo, pode-se exemplificar como Poesia Científica todas as poesias em que o grande tema seja a vida campestre, o trabalho rural, atividades agrícolas, louvor à natureza, o homem e a natureza, Bucolismo, Teogonia, Epicurismo, Cosmologia (Cosmologia Cristã), Astronomia, Meteorologia e Ciências Naturais. Na lista de representantes desse subgênero depois de Cristo estão Camões, Dante Alighieri, Guillaume Du Bartas, John Milton, John Philips, James Thompson, Alexander Pope, Albrecht Von Haller, Salomon Gessner, Jean François de Saint-Lambert, Edward Young e Jacques Delille.
A Poesia Científica é considerada muito mais do que um subgênero ou gênero poético, é avaliada como um movimento literário em efetivo, e que teve (e ainda tem) fiéis seguidores em Portugal como Antônio Ribeiro dos Santos, Elpino Duriense, Padre José Agostinho de Macedo, António Gedeão (Rómulo de Carvalho), Regina Gouveia, Luís Rafael Soyé; e a própria Marquesa que segundo acadêmicos foi “a maior das entusiastas”, a “praticante mais aguda da Poesia Científica”.
Seja como for, é certo que a versatilidade da Marquesa, talvez mais do que sua inteligência, é a virtude que mais cativou seus admiradores. Ela soube como transformar dor e “destino” em poesia, vida e bom combate! Em toda a Europa a Poesia Científica da Marquesa não apenas é uma das matérias mais estudadas, como também mais debatidas em virtude do momento em que Renascimento Rural, Ruralismo, Biodiversidade e situações climáticas estão absolutamente em alta.
As principais obras da Marquesa são: A Pena e o Tinteiro, Alcipe da Nova Arcádia, Ao Clima de Inglaterra, Às Musas, Bem como se perturba a clara fonte, Como Está Sereno o Céu, Canção, Contigo O Céu, Contraposição, Esperanças de um vão contentamento, Eu Cantarei um Dia de Tristeza, Idéias que em desgostos exercitas, Li teus versos, Lusitânia querida!, No Limiar do Romantismo, O Pirilampo e o Sapo, Oferenda aos Mortos, Outros Poemas, Recreações Botânicas, Retratar a tristeza em vão procura, Se me Aparto de Ti, Sonetos, e Sozinha no Bosque.
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Grandes nomes da Literatura Portuguesa – Parte I
Saiba mais em:
Cultura Científica em Portugal. Uma perspectiva Histórica. Luís Miguel Bernardo. Porto Editora, 2013. Páginas 103 e 104. (O Valor da Ciência: a Marquesa de Alorna).
Utile Dulci nas Recreações Botânicas da Marquesa de Alorna.
Maria Helena da Rocha Pereira. Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, nº especial. Coimbra. 1983. páginas 3 a 28.
Crédito da imagem – Repórter Sombra – Letras no Feminino
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