ADO 26: Criminalização da Homofobia e da liberdade de expressão

A democracia morre quando o diálogo é substituído pela imposição

O Supremo Tribunal Federal votará nesta quarta-feira, dia 20, a ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão – ADO n° 26, impetrada pelo Partido Popular Socialista- PPS. ADO é uma ação pertinente para tornar efetiva norma constitucional em razão de omissão de qualquer dos Poderes ou de órgão administrativo. Na constituição de 1988, no art. 103, § 2° , expressa:

§ 2º – Declarada a inconstitucionalidade por omissão (negrito meu) de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

A Lei 12.063/2009, que acresceu o Capítulo II- para a Lei 9.868/1999, expressa no capitulo IV:

Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.

É constitucional e, de fato, pode o supremo tomar efetivo a ADO impetrada pelo PPS, tendo por entendimento que há morosidade no legislativo em atender uma demanda já antiga de grupos defensores dos direitos de indivíduos LGBTI+. O texto, longo e denso, possui pontos que podem ir além da intenção de fazer valer a voz de uma minoria representativa.

Ao longo do artigo mostrarei alguns pontos que necessitam ser analisados:

pura e simples má vontade (grifo meu) institucional do Parlamento Brasileiro em referida criminalização específica, de sorte a tornar evidente a mora (grifo meu ) inconstitucional do Legislativo neste caso concreto e tornar igualmente evidente

Primeiro, cabe somente ao legislativo determinar o tempo que um assunto e um projeto de lei devem ser tratados. Quando há demora em legislar sobre determinado assunto, na verdade, o congresso já esta legislando, pois entende que certo assunto deve ser colocado em pauta em outro momento ou que este carece de análises e debates mais conclusivos.

Segundo, adjetivar como pura e simples má vontade o ato de não se ter enquadrado homofobia como crime de preconceito é, no mínimo, desonestidade intelectual. Homofobia é assunto recorrente no congresso, sendo debatido anualmente, pois há representantes do grupo LGBTI+ que sempre o aborda, como também partidos, que compreendem a necessidade de se criminalizar essa prática discriminatória da mesma forma que o racismo no Art. 20 da Lei do Crime Racial – Lei 7716/89:

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional (grifo meu). (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

A redação dada à lei é relativamente recente e mostra como não se pode enquadrar como má fé ou morosidade assuntos que demandam amplo debate. O Supremo Tribunal Federal determinará por um único entendimento e via ideológica algo que impactará o cotidiano de toda a nação, na esfera municipal, estadual e federal. O STF ao votar a favor, nega a voz a diferentes grupos sociais e limita a compreensão sobre o assunto. Confiar em um grupo seleto de magistrados postos em seus cargos por indicação, alguns com notoriedade, capacidade e biografia questionáveis, ou confiar nos representantes democraticamente eleitos; eis a questão shakespeariana…

Homofobia não está definida e o termo é de uma amplitude pragmática e semântica colossal, para não dizer titânica. Como tipificar como crime algo que não está devidamente definido?

Alegar que a população LGBTI+ não está protegida pela lei é outro ponto que alguns jornalistas e youtubers têm tentado promover. A lei já garante a heterossexuais e homossexuais proteção, pois ambos são cidadãos, para ataques perpetrados contra o individuo ou o coletivo; os crimes contra a honra previstos nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal que os define como:

Calúnia

Art. 138 – Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime.

Difamação

Art. 139 – Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação.

Injúria

Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro.

As leis acima já abordam ataques perpetrados através do campo discursivo. E em agressões, o que diz a lei ? O Código Penal Brasileiro, instituído pelo Decreto-Lei nº 2.848, de 07/12/1940 já responde a pergunta.

O que de fato o PPS deseja ao perpetrar essa ADO 26 ? julgar a intenção é improdutivo mas prever o resultado ,caso seja favoravelmente votado pelos ministros ( mínimo 8) , é possível:

a violência física, os discursos de ódio (grifo meu), a prática, o induzimento e a incitação ao preconceito e à discriminação por conta da orientação sexual ou da identidade de gênero, real ou suposta, da pessoa (ou seja, a conduta de “praticar, induzir e/ou incitar o preconceito e/ou a discriminação por conta da orientação sexual ou da identidade gênero, real ou suposta, da pessoa”).

Para Daniel Borrillo47, “A homofobia é um preconceito e uma ignorância que consiste em crer na supremacia da heterossexualidade” (Grifo meu), logo, uma conduta racista à luz do entendimento do STF no HC 82.424/RS. Segundo o autor48:

A homofobia é a atitude de hostilidade contra as/os homossexuais; portanto, homens

ou mulheres. […] Do mesmo modo que a xenofobia ou o antissemitismo, a homofobia é uma manifestação arbitrária que consiste em designar o outro como contrário, inferior ou anormal; (grifo meu)  por sua diferença irredutível, ele é posicionado à distância, fora do universo comum dos humanos. […] Confinado no papel de marginal ou excêntrico, o homossexual é apontado pela norma social como bizarro ou extravagante. […] À semelhança do negro, do judeu ou de qualquer estrangeiro, o homossexual é sempre o outro, o diferente, aquele com quem é impensável qualquer identificação.

Ao citar o texto de Daniel Borrillo, ítalo-argentino radicado na França, diplomado em Jurisprudência pela Universidade de Buenos Aires e professor de Direito, fica claro que será tratada qualquer narrativa critica ao comportamento homossexual (por razão ideológica ou religiosa) e ao posicionamento de militâncias LGBTI+; como ato puro e simples de discriminação.

As instituições autônomas religiosas são de extrema importância, pois são as guardiãs de tradições antigas e de toda uma filosofia e história riquíssimas. Negar o papel importante da religião, embora passível de criticas, na construção da civilização ocidental e oriental é, para não pecar em excesso de adjetivações, tolice. Várias Igrejas protestantes da Europa e Estados Unidos já compreendem que a homossexualidade não é cabível de ser considerada pecado (crime , ofensa); tal decisão surgiu de um dialogo entre a tradição religiosa dessas igrejas e a modernidade. A instituição autônoma pode repensar seus valores através do diálogo entre sua história e filosofia com a sociedade moderna e suas demandas, porém esse processo deve ser natural e não fruto de uma interferência estatal. Assegurar que uma religião tenha sua cultura e código moral respeitados é próprio de toda nação democrática.

O que isso tem a ver com o presente artigo? Infelizmente, tudo.  Ao usar o termo discurso de ódio, sem definição clara e precisa, qualquer narrativa que tenha criticas a conduta homossexual pode e será criminalizada. Ao usar trechos do livro do senhor Borrillo, está clara a convergência de ideias considerando a disposição dada ao tema em toda a redação do texto. Quando se entende que homofobia consiste em designar o outro como contrário, inferior ou anormal, narrativas de igrejas protestantes não inclusivas e da Igreja Católica Apostólica Romana em relação ao comportamento homossexual serão consideradas atos de homofobia como qualquer linha de entendimento contraria a narrativa promovida por grupos LGBTI+.

Um desdobramento de criminalizar homofobia, tendo o texto apresentado pelo PPS ao STF, causará uma série de processos movidos contra as instituições autônomas religiosas e a seus membros. O remédio será pior que a doença a ser combatida.

E o que dizer do humor? O humor é subversivo, caricato e iconoclasta na essência. O humor não tem compromisso em representar fatos ou figuras públicas tal como são, mas sim, de forma desproporcionada e estereotipada. O compromisso do humor não é com o factual ou verdadeiro, mas com o riso e nisso se revela como o traço menos seletivo e tendencioso entre outras formas de ver a sociedade. Piadas com o centro no estereotipo criado a partir do homossexual serão também passiveis de ser consideradas como crime de homofobia.

Vale a pena cercear o direito de alguns para favorecer outros? Quando foi que uma forma de entender a realidade mereceu ser criminalizada. A homofobia endurecerá crimes praticados contra homossexuais, sim, mas a qual preço?

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