“Em primeiro lugar eu escrevo para existir,
Eu escrevo para mim.”
Nascida em 04 de junho em Manjacaze, na província de Gaza, ao Sul de Moçambique em uma família protestante que falava as línguas chope e ronga, filha de um alfaiate e de uma camponesa que trabalhava em uma plantação de mandioca, Paulina Chiziane é a escritora mais renomada de Moçambique, e sua história de vida nos leva a importantes reflexões: tudo na vida depende do quanto se está disposto a sacrificar-se, e que às vezes, é preciso abrir mão de algumas ou de muitas coisas para ser uma grande escritora.
Poulli, como era chamada na infância, foi criada no campo, onde ela falava sua língua materna, o chope. Passava bastante tempo na companhia de seus avós e de seus oito irmãos, pois sua mãe era camponesa, e como camponesa chegava a ficar uma semana inteira fora de casa por causa da plantação de raízes; e seu pai que era, inicialmente, um alfaiate de esquina havia conseguido uma barraca, onde passava o dia inteiro trabalhando.
Apesar de protestante, sua família mantinha as tradições locais. Paulina conta que nasceu com peso muito baixo e sua saúde era muito frágil e, por isso, seus pais foram encaminhados a sacerdotes e adivinhos a fim de descobrir o que ela tinha, e a conclusão foi que era um caso espiritual. Foi feito um ritual para celebrar o nome que ela tinha recebido que era justamente o nome de um antepassado.
Aos seis quase sete anos de idade, Paulina se mudou para os subúrbios de Maputo, e lá começou a aprender o português na escola. Paulina era uma criança introspectiva, mas que saía de casa para brincar com os colegas e tinha o hábito de acordar a noite para ouvir música, pintar, fazer os deveres de casa e ler. Ela também acompanhava sua mãe em várias tarefas domésticas diárias.
Na adolescência, Paulina sonhava em ser pintora, mas as condições financeiras de sua família nunca permitiram que ela pudesse comprar pincéis e telas. E, além disso, não era considerada uma profissão boa para a mulher. O que ela costumava fazer era desenhar com lápis em seus cadernos. Enchia os cadernos de desenhos em cerca de uma semana, e era preciso comprar novos cadernos. Com esses desenhos criava histórias. No início, ela desenhava para matar a saudade da vida no vilarejo rural, por isso, desenhava paisagens na tentativa de restaurar o seu paraíso perdido. O primeiro texto de que Paulina se recorda de ter escrito é de uma redação sobre a Páscoa ainda na escola primária, que foi muito elogiada pela professora. Essa redação foi, na verdade, o divisor de águas em sua vida, pois foi a partir dela que ela percebeu que era possível escrever. Então, começaram a surgir cada vez mais frases soltas nos cantos dos cadernos e logo ela começou a compor um diário. A seguir, ela começou a montar poemas e escrever cartas de amor. Foi só mais tarde que surgiram pequenos contos, pequenas crônicas e o sonho de um dia escrever um livro. Paulina foi uma adolescente que lia muito e era fã de personagens como Kit Carson e Búfalo Bill.
Seus avós maternos foram de grande influência em sua vida, pois eles eram contadores de histórias. Paulina passou a infância e a adolescência ouvindo muitos contos cheios de tradições, lendas e provérbios, e também sobre genealogia, antepassados e natureza em chope e ronga à volta da fogueira, o que ela considera a sua primeira escola de arte, e sua avó materna a maior das professoras. Seu pai também foi uma grande inspiração já que também contava histórias e “casos”. Sua mãe a influenciou na música, pois ela estava sempre cantando em qualquer atividade doméstica que viesse a fazer.
Paulina afirma que descobriu os livros na escola e com eles, a percepção de que havia outras formas de existir. Seus estudos, entretanto, aconteceram de forma bem precária em sua infância: embaixo das árvores, em aulas ao ar livre, já que as escolas eram muito pobres e, por não haver cadernos para todos, o alfabeto era escrito no chão. Quando chovia ou ventava, as aulas tinham de ser suspensas. A religião também teve influência sobre sua forma de escrever e pensar.
Aos 19 anos, Paulina casou-se e teve dois filhos. Contudo, separou-se cerca de 6 anos depois, pois segundo ela não conseguia dedicar-se aos estudos tampouco escrever seus livros. Ela chegava em casa após oito horas de trabalho, muitas vezes exausta, ainda tinha de cuidar da casa, da cozinha e das crianças. Quando todos dormiam aí então é que ela escrevia porque necessitava de tranqüilidade e silêncio para isso. Acabava por dormir pouco e, no dia seguinte, chegava já exausta no serviço. Por vezes, também, as atividades domésticas não ficavam bem feitas, e, além disso, a família como um todo desejava atenção de maneira que para Paulina o fato de uma mulher escrever causa uma série de conflitos na esfera familiar.
Aos 20 anos, formou-se na Escola Comercial e foi trabalhar no Ministério da Saúde da Cruz vermelha. Em seguida, iniciou os estudos superiores na Universidade Eduardo Mondlane, mas nunca concluiu a licenciatura em Estudos de Lingüística.
Vivendo na Capital, Paulina acabou por se juntar ao movimento FRELIMO – Frente de Libertação de Moçambique – durante a luta pela independência e trabalhava distribuindo cartazes e panfletos sobre a necessidade de independência.
Paulina ingressou na Associação dos Escritores em uma tentativa de conseguir patrocínio e apoio para publicação de seus livros.
Em 1984, Paulina inicia sua carreira como escritora e começa a produzir e publicar contos na imprensa moçambicana mesmo, como na Página Literária, na revista semanal “Tempo” e no jornal “Domingo”.
Fã de Noémia de Sousa, Florbela Espanca, Vinícius de Moraes e Clarice Lispector, e leitora assídua da Bíblia, Paulina foi a primeira mulher moçambicana a publicar um romance em 1990. Como escritora, à propósito, Paulina costuma mencionar que em Moçambique, quando ela começou a escrever a reação das pessoas não era muito favorável porque lá o povo não acreditava que uma mulher pudesse escrever algo diferente de histórias de amor. Apesar disso, ela não desistiu e seguiu escrevendo a partir de suas observações, especialmente sobre o lugar e a posição da mulher. Ela, inclusive, se considera uma contadora de histórias, assim como seus avós, e não uma romancista.
Como mulher, Paulina declara não se sentir nem feminista nem anti-feminista. Ela se considera uma guerreira, considera o que faz guerra. Em entrevistas, Paulina disse que a partir do momento em que ela começou a enfocar determinados temas e pontos de vista em debate, ela começou a mostrar que as mulheres também se levantam, e que as mulheres são muito boas no que fazem, mas que têm medo de escrever, por exemplo. E ela, com seu trabalho demonstra que escrever é possível. Paulina, acha que ser mulher é muito complicado e ser escritora é uma ousadia!
A religião, também teve uma influência sobre ela enquanto escritora e pessoa porque como ela afirma a ensinou os valores universais. Um livro destaque em sua carreira foi justamente Ngoma Yethu: O curandeiro e o Novo Testamento, que é um livro em que uma curandeira compara filosofia do mundo cultural africano e o Novo Testamento da Bíblia Sagrada mostrando que a cultura africana está muito mais perto de Jesus Cristo do que se pode imaginar. Outra obra proeminente nasceu quando Paulina enfrentou alguns problemas de saúde: com o problema da curva do arco senil seus olhos ganharam uma coloração azul; e uma crise psicótica a levou a uma internação em um hospital psiquiátrico. Nesse período de internação, ela escreveu Na Mão de Deus que é um livro que aborda temas referentes a crises e loucura.
Em 2005, Paulina foi nomeada uma das mil mulheres pacíficas do mundo sendo candidata ao Prêmio Nobel da Paz por sua literatura militante. E em 2010, Paulina foi designada, pela União Africana (UA), como Embaixadora da Paz para África.
Em 2014, Chiziane foi agraciada pelo Estado português com o grau de Grande Oficial da Ordem Infante D. Henrique, forma de reconhecimento do mérito e obra da autora. Paulina dedicou o prêmio às mulheres de Moçambique.
Paulina tem vários livros publicados, já veio muitas vezes ao Brasil, e é considerada uma das melhores escritoras em língua portuguesa do mundo na atualidade.
Paulina vive e trabalha na Zambézia.
Obras:
As andorinhas
Balada de amor ao vento
Eu, mulher por uma nova visão do mundo
Na mão de Deus
Niketche
O alegre canto da perdiz
O sétimo juramento
Por quem vibram os tambores do além
Ventos do apocalipse
Crédito da Imagem: UFPR