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A língua portuguesa do Brasil (e um pouco sobre Tupi-Guarani)

A língua é um elemento vital para o povo. A unidade lingüística representa a união da nação. Quanto mais forte a língua mais unificado estará o país. A homogeneidade de um território depende da consolidação do idioma. A língua é a identidade nacional por isso, os países adotam uma língua oficial. Ou, em alguns casos, mais de uma.

A língua oficial é justamente a língua ou as línguas nacionais. É uma escolha baseada em dados históricos que consideram a capacidade dos habitantes em se comunicar perfeitamente naquele idioma e à ele adaptar-se. A língua carrega em si além da História de um povo, a cultura, as tradições, as crenças e todo o conjunto de símbolos que representam um povo. Língua é elemento de identidade. Por isso, quando uma língua se dispersa, enfraquece e o enfraquecimento dá lugar a separações territoriais. A quebra do uso de uma língua representa um romper de laços entre as comunidades.

Um ponto curioso é quando duas línguas ou duas origens lingüísticas distintas coexistem em uma única língua, permitindo a existência de sinônimos perfeitos, como é o caso da língua inglesa, que conseguiu tal proeza ao estabelecer palavras de língua inglesa de origem anglo-saxônica e palavras de língua inglesa de origem latina, e não apenas em um nível puramente semântico mas também em outros níveis gramaticais.

No caso do Brasil a língua portuguesa chegou (assim como na África e nas Índias) com o Império Português, e tem origem latina. Nasceu há cerca de dois mil anos na região da Galícia, no território da Lusitânia. É conhecida como a “língua de Camões”, escritor português responsável pela organização e estruturação da língua em harmonia com a História da Península Ibérica, especialmente da Lusitânia. Além de Portugal e Brasil, a língua portuguesa é falada de modo oficial em Angola, Cabo Verde, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau e Equatorial, Timor-Leste, Damão e Diu (Índia), Goa (Índia), Macau (China), malaca (Malásia) e nas ilhas ABC (Caribe), Flores (Indonésia) e Batticaloa (Sri Lanka).

Devido a grandes comunidades de imigrantes, a língua portuguesa é encontrada na África do Sul, Namíbia, Curaçao, Bermudas, Uruguai, Paraguai, Venezuela, Estados Unidos (Nova Iorque, Rhode Island e Nova Jersey) , Canadá, Japão, Luxemburgo, Andorra, Austrália; sendo de ensino obrigatório nas escolas de África do Sul, Senegal, Congo, Costa do Marfim, Namíbia, Uruguai, Venezuela e Goa. Na Universidade de Goa, inclusive, desde 1988, há o curso de mestrado em Estudos Portugueses. Além disso, o português é um dos idiomas oficiais do Mercosul, da União Africana, dos países Lusófonos e até mesmo da União Européia. Figura na lista das 10 línguas mais faladas do mundo. De acordo com a UNESCO a língua portuguesa é a língua que mais tem se expandido no mundo, depois do inglês e do espanhol, especialmente na África.

No caso específico do Brasil, uma situação se destaca muito: a presença do Tupi-Guarani. Evidentemente, a língua portuguesa do Brasil tem muitas outras influências desde palavras de línguas africanas até palavras chinesas. No entanto, faz-se necessário pontuar a gigantesca supremacia das línguas da família Tupi-Guarani. Ainda hoje coexistem com a língua portuguesa cerca de 150 línguas indígenas diferentes.

A história do Tupi-Guarani, aliás, urge ser conhecida tanto no Brasil como no mundo, com “paradas obrigatórias” na ocasião do Tratado de Tordesilhas e na obra de José de Anchieta, um padre espanhol, com obras em quatro línguas: latim, castelhano, português e tupi, conhecido como Apóstolo do Brasil e recém-canonizado (2014). Em 1553 quando chegaram os primeiros jesuítas ao Brasil, eles passaram a dedicar-se imediatamente ao estudo do Tupi e eram incentivados justamente por José de Anchieta. Sete anos depois foram feitas cópias manuscritas das principais anotações de Anchieta sobre a gramática de língua Tupi, que logo passou a ser adotada para o ensino. Em 1595, veio mais uma excelente contribuição: a “Arte de Grammatica da Lingoa mais usada na costa do Brasil”, obra que existe até hoje, tendo duas edições guardadas pela Biblioteca Nacional do Brasil, sendo que uma delas pertenceu ao nosso magnânimo Dom Pedro II. 

Os anos se passaram e, por vários motivos, o Tupi (principalmente, mas também o Guarani) foram sendo deixados de lado. Todavia, não podemos olvidar que apesar da atuação do Marquês de Pombal, o Império do Brasil teve um grande defensor das línguas indígenas: o historiador e engenheiro brasileiro, militar voluntário das tropas de Dom Pedro I, Francisco Adolfo de Varnhagen, o Visconde de Porto Seguro, também conhecido como “Pai da História do Brasil”, que iniciou uma série de propostas ao governo do Império do Brasil para que fosse restituído o ensino do Tupi nas escolas do Brasil (1840, logo, alguns anos após a Carta Magna de 1824). (*)

Transcrevemos a seguir parte da obra do Visconde de Porto Seguro (História do Brasil), disponível na Academia Brasileira de Letras:

INFLUÊNCIA DA CULTURA ABORÍGENE SOBRE OS COLONOS

Como nenhum dos donatários tivesse os meios necessários para beneficiar nem a centésima parte da terra que podiam tomar para si, o maior empenho de todos fora o de angariar moradores que levassem capitais, e que se propusessem a receber terras de sesmarias e a cultivá-las. Os artigos de exportação que primeiro mais se cultivaram foram o arroz e o açúcar.

Vendo-se em pequeno número e tão desamparados, os cristãos em cada uma das capitanias começaram por afazer-se a muitos usos dos bárbaros, nos objetos domésticos e de primeira necessidade. Destes adotaram o uso do tabaco de fumo, e com tanto amor que se tornou geral, e passou à Europa, e já no século seguinte constituía um dos ramos da indústria e produção do Brasil. quis a igreja opor-se a este uso, declarando-o rito gentílico; e prelado houve que chegou a proibi-lo, com pena de excomunhão, dando alguma vez aos que fumavam na igreja de penitência o trazerem os pitimbaus ou grandes charutos ao pescoço; mas tudo foi debalde.

Dos mesmos bárbaros adotarem os colonos o uso do milho e da mandioca, e todos os meios de cultivar e preparar estas duas substâncias alimentícias, bem como as abóboras, o feijão, etc. Deles, e não de Portugal, foi tomado o sistema, ainda hoje seguido geralmente pelos nossos lavradores, de roçar e derrubar, cada dois ou três anos, novos matos virgens, queimá-los, encoivará-los, e por fim semeá-los, se vão apodrecendo, continuando a estrumar a terra, mas dificultando o passo aos trabalhadores, e roubando às sementeiras muita superfície. Em Portugal não se roçavam matas para semear a terra de legumes: as matas era raras, e, por conseguinte, uma riqueza por si sós. O próprio vocábulo coivara, do qual tomamos o verbo encoivarar, é uma voz tupi, derivada de cog, roça.

Dos índios adotaram também o uso da farinha de mandioca, bem como o das folhas da planta ou maniçoba, como hortaliça; para o quê usaram também das folhas do taiá ou taiobas, e dos olhos tenros das aboboreiras ou jerimuns, cujos guisados chamaram cambuquira. Além disso cultivavam os carás e inhames, e ainda mais o excelente aipim ou mandioca-doce, comido assado simplesmente ao borralho e sem mais preparativos. Dos índios adotavam os nossos o pirão. Mingau é também nome dos tupis, que chamavam ao caldo migã.

As bananas-da-terra foram também um dos primeiros alimentos que mais se generalizou, enquanto da ilha africana de São Tomé não se transplantaram as que por isso ainda hoje têm este nome. Alguns pés desta planta, ao abrigo da choupana ou tujupar de um colono, lhe asseguravam a subsistência sem o trabalho; pois que, como diz um contemporâneo, parece que a bananeira, que alguns crêem ser a figueira do Paraíso terreal, foi a planta dada ao homem para o deixar falhar ao preceito de ganhar o sustento com o suor de seu rosto. O vocábulo banana é africano: musa lhe chamavam os árabes; pacoba os nossos índios.

Na primitiva construção das casas, em vez de pregadura se adotou o cipó-imbé, para segurar as ripas, conforme usavam os índios. Também se adotaram as próprias formas de suas cântaras ou vasos de barro, para trazerem água do rio ou das fontes; e em outros artigos domésticos foi a adoção dos usos tão excessiva que até com eles vieram os próprios vocábulos de língua tupi, os quais para sempre no Brasil acusarão a sua procedência, como dissemos, acerca dos árabes na Espanha. São também puramente indígenas os vocábulos xará, guapiara, apicum, massapé, xerapi, coivara, pipoca, tipoia, picumã, chulé, ché, teteia, tapejara, pixuma, tocaiar, coroca, catapora, canhambola, pixaim, cauira, pitiú, garajau e muitos outros.

Dos tupis adotaram os nossos quase tudo quanto respeitava ao barquejar, bem como à pesca e até à caça.

(História geral do Brasil)

Leia íntegra em Academia Brasileira de Letras.

Outro gigante nas áreas de educação, cultura e línguas indígenas foi o genial Theodoro Fernandes Sampaio, escritor, historiador, geógrafo e engenheiro brasileiro, integrante da renomada “Comissão Hidráulica”, do Imperador Dom Pedro II, e que era o único engenheiro brasileiro (e negro, filho de escrava) da comissão. (Realizo este registro “e negro, filho de escrava”, propositalmente a fim de expor minha tese pessoal de que cor e possíveis condições de pobreza não definem quem somos; e sim o que nos define é nossa garra, nossa determinação, nossa perseverança, nossa vontade de estudar e produzir, de ser útil e operoso para a sociedade e usar nossos talentos a nosso favor e em favor da nação). Amigo de Euclides da cunha, foi ele quem auxiliou na elaboração de “Os Sertões”. Fernandes Sampaio foi, dentre muitas outras coisas, um dos fundadores do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo; membro do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Dentre suas obras publicadas está justamente a que cabe assinalar aqui: O Tupi na Geographia Nacional.

Falando sobre o Império do Brasil e a língua portuguesa em efetivo, um dos primeiros intelectuais a contribuir com a consolidação da língua portuguesa foi o Imperador Dom Pedro II, responsável pela implantação de várias instituições de ensino e por um trabalho pioneiro em tradução. São atribuídas a ele a primeira tradução para a língua pátria das obras As Mil e uma Noites e do Alcorão, do Árabe, de Piutium, do hebraico, de Hitopadeca, o livro dos bons conselhos, do sânscrito ademais de diversas obras do francês, do inglês, do espanhol e do italiano. Há documentos que comprovam sua participação na tradução do livro bíblico Ato dos Apóstolos. No Arquivo Histórico do Museu Imperial de Petrópolis e no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro encontram-se as muitas traduções realizadas por ele, pelo que ele recebe o carinhoso epíteto de “o tradutor imperial”.  

Acerca de Tupi-Guarani, leia nossa matéria anterior:

Duna Press Periódico – O Tupi-Guarani como matéria escolar

Para ler O Tupi na Geographia Nacionalacesse o link para PDF

O Tupi na Geographia Nacional, de Theodoro Fernandes Sampaio

Para saber mais sobre o Visconde de Porto Seguro e sua atuação na educação do Brasil Império leia:

A Questão Da Identidade Nacional Brasileira Na Obra História Geral Do Brasil De Francisco Adolfo De Varnhagen: Cultura E Educação

(*) Livro completo disponível para leitura digital (FUNAG), em PDF:

Francisco Adolfo De Varnhagen

Para ler algumas obras do Padre José de Anchieta acesse:

ANCHIETA – Obras Na Biblioteca Nacional Catálogo da Exposição Comemorativa do IV Centenário de Falecimento do Padre José de Anchieta, S. J.

Créditos da imagem: N Cultura

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Clarissa Xavier

A professora é voluntária e colabora com artigos nas áreas de educação e estudos religiosos para periódico e livros do Grupo Duna.

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