Alice é uma das mais famosas personagens da Literatura Britânica, especialmente entre as crianças. Escritos em 1865 (Alice´s Adventures in Wonderland) e 1871 (Through the Looking Glass and what Alice found there), os livros de Alice representaram uma inovação na história da literatura mundial, pois pela primeira vez um livro de literatura mesclava Ciências Lingüísticas a Ciências Exatas. Alice, portanto, não era apenas mais um conto infantil, mas também uma seqüência de puzzles e charadas de cunho potencialmente filosófico.
O mundo nonsense de Alice aparece inserido nos anos 1830, época denominada de Victorian Age, em homenagem à Rainha Victoria, da Inglaterra; logo para compreender certos fatos narrados, as inversões e até mesmo o sarcasmo sutil contido na obra é preciso conhecer minimamente a história do Reino Unido na Era Vitoriana. Sem este conhecimento o livro do brilhante matemático, professor (Christ Church College) e diácono anglicano (Oxford Christ Church) Charles Lutwidge Dodgson, o Lewis Carroll, mais parecerá uma história sem pé nem cabeça.
The Victorian Age foi um período de profundas mudanças políticas, sociais, econômicas e religiosas; marcado pelo início do processo de industrialização e, conseqüentemente, o surgimento de fábricas e máquinas. Ademais, a migração de camponeses para as cidades em busca de melhores condições constituiu um dos maiores engodos da história: deixar a vida pacata e estável da zona rural não apenas significou a chegada de famílias inteiras a ambientes movimentados e poluídos, mas também a um sistema de quase, senão total, escravidão inclusive para mulheres e crianças. O êxodo rural gerou para as famílias uma desestruturação sem precedentes: fome, inflação, crise financeira, escassez de alimentos, contaminação de água, exposição a substâncias tóxicas e caos na saúde pública com má-nutrição (nanismo, raquitismo e anemia crônica), aumento de doenças, mortalidade infantil e mortalidade de mulheres no pós-parto. Este período turbulento arrastou-se até o último ano do século XIX (1900), e foi neste momento que um novo gênero de literatura surgiu: a literatura idílica, que mesclava acreditável e inacreditável, imaginável e inimaginável, possível e impossível, realidade e ficção, humano e sobrenatural e todo tipo de fantasia e magia alicerçadas em linguagem figurada, mitologia e metafísica.
Definitivamente o momento era extraordinariamente propício para Lewis Carroll. Por quê? Carroll como professor de matemática era profundo conhecedor de aritmética, geometria, quebra-cabeças, sistemas numéricos e até truques de mágica. Obcecado por ciências exatas, estudava física, geometria na espaço, astronomia, cosmologia, metafísica, teorias científicas, lógica, paradoxos geométricos e sistemas postais. Ao mesmo tempo era fascinado pelas ciências lingüísticas e desenvolvia textos e idéias baseados em anagramas, acrósticos, transformação de palavras, escritas espelhadas, isomorfismo, rimas, paródias, paráfrases, charadas, adivinhações, jogos visuais e jogos de palavras. Ele tinha também talento para inovação e invenções: desenvolvia quebra-cabeças matemáticos e lógicos, jogos de aritmética, relógios, sistema de memórias; tendo criado inúmeros puzzles, seu passatempo favorito.
Em Alice, além de pitadas críticas aos acontecimentos da Era Vitoriana, principalmente a educação que as crianças recebiam, que Carroll julgava deficiente, pois era totalmente voltada para o mundo profissional (automatismo, repetição, metodismo, tradicionalismo e informações inúteis) e sem a menor utilidade para a vida prática do ser humano (formava seres totalmente incapazes de pensar, imaginar e raciocinar por si mesmos); ele satiriza abertamente a teoria de Galileo (velocidade, tempo e distância) e também ridiculariza a teoria de Edmund Whittaker (Teoria Cosmológica do Universo). Ainda, ele faz associações a obras de Shakespeare (Hamlet), Jonathan Swift (As Viagens de Gulliver), Osmar Khayyam (poema Chess) e William Wordsworth (poema resolution and independence).
Apesar de afiado em seus comentários, Carroll era muito lúdico, divertido e bem-humorado. Fazia piada com tudo o que parecia estar fora de padrão, a começar por ele mesmo, que era gago. Em sua própria homenagem criou o personagem Dodo em Alice, que tanto representava a forma como ele pronunciava seu sobrenome (Dodgson: Do-do- dson) quanto um tipo de pássaro em extinção, o dodô (Raphus cucullatus, da família dos pombos, natural das Ilhas Maurício, próximo a Madagascar, que caracterizava-se por viver e evoluir sozinho; e por este motivo era muito seguro e confiante, sendo capaz de aproximar-se dos seres humanos sem demonstrar medo), peculiaridades com as quais ele mesmo parecia identificar-se.
O primeiro quebra-cabeça lógico (Doublets) inventado por Carroll foi publicado em 1879 na revista Vanity Fair Magazine. Em seguida passou a publicar habitualmente no Magazine Mind. Um de seus artigos filosóficos mais conhecidos (What the Tortoise said to Achilles) foi publicado por diversas revistas e livros da área de Filosofia.
Alice é muito mais do que fruto de uma mente imaginativa, é produto de uma mente extremamente privilegiada, estudiosa e observadora. Autodidata, desenhista e fotógrafo nas horas vagas, Lewis Carroll foi um dos mais completos escritores de todos os tempos, assinando outras obras como Aventuras de Sílvia e Bruno, Rimas do País das Maravilhas, A caça ao Turpente, Matemática Curiosa I, Matemática Curiosa II, Euclides e seus rivais modernos, O que o Cágado disse ao Aquiles?, Fantasmagoria, Simbologia Lógica I, Simbologia Lógica II, A Morsa e o Carpinteiro; entre outros.
Os livros de Alice foram escritos e ilustrados à mão por Carroll e seus manuscrito originais existem até hoje. A versão original pode ser encontrada na livraria da Oxford Christ Church, onde, aliás, é possível encontrar uma coleção completa de produtos, sobretudo, dos livros de Alice. O manuscrito original encontra-se na Biblioteca Britânica, que recentemente digitalizou raridades de seu acervo. Dentre as raridades, a primeira versão (com ilustrações) de Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll. A esta coleção de preciosidades digitalizadas a Biblioteca Britânica nomeou de Coleção Turning the pages.
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