Arte

Música pelos olhos

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Júlio Balrada: agradecimento ao poder público que valoriza as atividades culturais da comunidade.
Maestro Luís Soares, sua filha Mafalda, o seu primo Francisco, eu e dois membros do coral Jovem de Arcel.
Auditório lotado para ver e ouvir os 13 corais juntos no palco.

No 23° Encontro de Coros da Bairrada, em Águeda, Portugal inova formato e coloca no palco quase 400 cantores.

A noite de sábado, 10 de março, teve um sabor especial para toda a região centro de Portugal. É importante contextualizar aqui o local em que se encontra Águeda, uma freguesia (uma vila do interior, em se tratando do Brasil) no distrito de Aveiro. Para lá, só se vai de carro ou comboio (ops…trem!) sendo que a última condução de volta a Aveiro é oito e meia da noite. O encontro começou às nove e meia. Normal em se tratando de Portugal. As pessoas trabalham muito e até tarde, então só têm tempo para si depois das oito ou nove da noite. Dormem pouco, comem muito e bem.

Para chegar, eu e o nosso cinegrafista e fotógrafo Miguel Rachid, pegamos o comboio histórico do Vouga, que dá nome ao rio que deságua em Aveiro. É um percurso que alterna a paisagem da água que corre limpa e livre, de um lado e de outro sítios com pequenas hortas e pomares, ovelhas, cabras e cavalos pastando, muito verde descortinado pela velha estrada de ferro do Vouga. À chegada basta andar andar alguns metros para vislumbrar o Centro de Artes de Águeda, inaugurado há um ano e que conta com um complexo cultural moderno de linhas retas e espaços amplos e confortáveis, um auditório com capacidade de 600 lugares e  uma programação de fazer inveja a diversos teatros de capitais brasileiras.

Esse encontro acontece todos os anos desde 1995 e a organização tradicional apresenta os coros subindo ao palco para cantar apenas uma música. Um se retira e entra outro.  Em  cada edição é um coro o organizador do festival e este ano foi a vez do Orfeão de Águeda, tendo à frente Júlio Balreira, um dos integrantes desse coral que foi fundado em 1915. Aliás, surpreende a quantidade de pessoas que se organizam em corais por toda Portugal. Foram selecionados esses 13 coros, mas há muitos mais em diversas aldeias e igrejas. Neste ano cada coro cantava uma canção própria, mas os refrões eram executados em arranjo que incluía todos os ouros coros. Mas como?

Resposta: Primeiro, planejamento e organização. Os maestros receberam antecipadamente as partituras de todo o programa e ensaiaram as partes comuns com seus respectivos corais, sendo que o único ensaio que todos os coros fizeram em conjunto foi mesmo no dia da apresentação. Depois, o espírito de inovação, típico do Português, que deixou a bendita herança da criatividade, imaginou todos os coros em blocos e juntos no mesmo palco, sem o entra e sai que poderia prolongar o festival em três ou quatro horas, dispersando o público. O espetáculo durou pouco mais de uma hora, e com um efeito surpreendente.

No palco, os cerca de 400 coralistas estavam dispostos em blocos com seu regente logo à frente e quando era a música-solo de um deles, alem do painel indicativo atrás, no palco, a iluminação colocava foco no coro específico, fazendo a marcação cênica.  O conjunto resultou emocionante para quem assistia, pois além dos mais variados timbres que se ouviam, típicos de cada trabalho e perfil do grupo, o que impactava positivamente os ouvidos; a imagem de famílias inteiras cantando juntas, com diferentes figurinos e reunindo desde crianças e adolescentes, até seus pais e avós, provocava um impacto visual quase hipnotizante. Poderia-se dizer que ali estava resumida a vida: cantar em grupo buscando a afinação e a cor que só uma massa vocal pode proporcionar, pois misturam-se os naipes (sopranos, contraltos tenores e baixos) e um supre as deficiências do outro, ou reforça suas qualidades vocais.

No repertório muitas músicas brasileiras. “Ano passado trouxemos um coral de Curitiba, o Curitibocas, porque gostamos muito de samba, e a música brasileira é da nossa Língua Portuguesa, é de todos nós”, observa Balreira.  No próximo ano, os responsáveis pelo festival serão os organizadores do Coral de Troviscal.

Sobretudo, a atividade coral é familiar e social. Um dos maestros, Luiz Soares, que é regente do Grupo Coral Jovem de Arcel, uma outra freguesia da região da Bairrada, tem entre os coralistas sua filha Mafalda, de sete anos. De acordo com ele, a filha canta desde a barriga da mãe, porque seu trabalho com o coral jovem começou há 16 anos. Soares ressalta a importância de crianças e adolescentes cantarem em coro: “Para mim sempre foi um sonho, formar o futuro do nosso país, plantar o bichinho da música nas crianças para que mais tarde eles não se esqueçam de como é cantar”. O regente acrescenta que todos nós nascemos com um instrumento, a voz, e nem sempre nos lembramos dele.

Para muitos que visitam as grandes cidades portuguesas, como Porto e Lisboa, a Bairrada é sinônimo de leitão assado. Realmente, é nessa região que se encontra essa iguaria, um leitão pequeno de carne macia e pele crocante e bem temperada, para ser acompanhada por batatas, laranja em rodelas um vinho branco gelado e ácido. Considerada uma das sete maravilhas gastronômicas o Leitão à Bairrada é o cartão de visitas para um roteiro cultural internacional.

Em tempo: Quando fui assistir ao concerto dos corais, no saguão do Centro de Artes de Águeda havia um cartaz anunciando a peça de Marcos Caruso, que ali se apresentará de 23 a 26 de março. Provavelmente cansado de se apresentar em capitais que as pessoas valorizam mais os shoppings que os teatros, ele vai ter uma bela surpresa ao encontrar auditório lotado e público interessado e respeitoso, como  testemunhamos na apresentação do encontro de coros. Que venham agora os leitões!

Veja o programa com o repertório apresentado:

  1. Balaio – Orfeão da Associação #Cultural de Recardães
  2. Coimbra – Grupo Orfeão da Casa do Povo Troviscal
  3. Canção do Mar – Coro Sul Family
  4. Sevilhana – Orfeão do Paraíso Social de Águeda
  5. Verdes são os campos – Grupo Coral Magister
  6. Uma Casa Portuguesa – Orfeão Sol do Troviscal
  7. Minas com Baia (sic) – Grupo Coral Ré-Canto
  8. Olhos Negros – Grupo Coral de Oiã
  9. Sozinho – Grupo Coral Jovem de Arcel
  10. O tempo não Pára – Coral Caetanense
  11. Cirandeiro – Grupo Coral da Santa Casa de Misericórdia de Águeda
  12. Água de Beber – Orfeão de Águeda
  13. Este Linho é Mourisco – Orfeão de Bustos

 

Vera Amatti

Colunista associado para o Brasil em Duna Press Jornal e Magazine, reportando os assuntos e informações sobre atualidades sócio-políticas e econômicas da região.

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